Balloon Fight
Nesse mês de falecimento de Satoru Iwata, nós do Pouco Pixel prestamos nossas homenagens primeiramente agradecendo ao legado da Nintendo, depois lembrando como Iwata salvou “EarthBound”, e agora chegou a vez de falarmos de “Balloon Fight”, o primeiro jogo que Iwata programou para um console da Nintendo e uma de suas obras mais lembradas pelos fãs.
Lançado em 1985, “Balloon Fight” faz parte da primeira geração do Nintendinho, uma leva de jogos que vai do lançamento do console japonês em 1983 até o lançamento da sua versão americana dois anos depois. São todos jogos curtos, simples, muito parecidos com os clássicos de Atari 2600 que haviam sido sucesso até então, limitados a uma única tela, mas com um grau de qualidade imposto pela Nintendo para garantir o sucesso da empresa num mercado ainda traumatizado. “Balloon Fight” chegou no ocidente pouco depois do lançamento do Nintendinho nos Estados Unidos, perdendo por pouco a honra de fazer parte de sua fantástica lista de jogos de lançamento. Ainda assim, ganhou a lendária CAPA MINIMALISTA dessa primeira leva de jogos (como aquela do “Excitebike”) e ajudou a estabelecer a empreitada da Nintendo como uma máquina com jogos polidos, responsivos e facilmente compreensíveis.
Avestruz
“Balloon Fight” era uma ideia simples, claramente inspirada num jogo de 1982 chamado “Joust”, mas executada com perfeição pelo time da Nintendo. “Joust” era um jogo para arcades criado pela Williams Electronics em que cavaleiros competem em justas montados em AVESTRUZES. Quando dois cavaleiros chocam suas lanças, vence aquele que estiver mais alto na tela, de modo que é necessário pressionar o botão várias vezes para que o avestruz bata suas asas e seja possível ganhar altitude aos poucos. Quando o jogador para de pressionar o botão, o avestruz começa a cair imediatamente, tornando o ato de controlar o voo da ave uma ARTE SUAVE. Ao atingir de cima um adversário, ele se recolhe à forma de um ovo que choca-se de volta à vida caso não receba um último e derradeiro golpe mortal. “Joust” foi um grande sucesso em sua época menos pela ambientação bizarra de cavaleiros em cima de aves de asas ATROFIADAS e mais pelo fato de ser um dos primeiros jogos a permitir multiplayer colaborativo, com dois jogadores ajudando-se a derrotar as ondas de inimigos que surgem continuamente na tela.
“Ballon Fight” apenas repensou o modelo: manteve o multiplayer colaborativo mas trocou os cavaleiros do avestruz por garotos amarrados em dois balões que batem os próprios braços para ganhar altitude, e os inimigos por pássaros bizarros, meio humanoides, igualmente presos a balões. Quando acertados, esses inimigos vão parar no chão e começam a encher novamente seus balões com uma bomba meia-boca de pneu de bicicleta, a menos que sejam mortalmente pisoteados no processo. A ausência de lanças e a adição de balões tornou o jogo automaticamente mais adequado para o público infantil e uma compra mais segura por adultos responsáveis que precisavam decidir o valor do jogo só de olhar para a caixa.
Mas a genialidade da Nintendo não está apenas na infantilização de “Joust” para torná-lo mais palatável, mas também na aula de game design que ela nos oferece na hora de organizar os elementos da tela.
Dificuldade progressiva
Em sua forma mais tradicional, jogos de videogame nos apresentam desafios que precisamos superar. A dificuldade desses desafios deve ser suficiente para que eu saia da minha zona de conforto, mas não pode ser tão alta que a frustração estrague a experiência. Essa medida adequada do grau de dificuldade foi tema comum em nossa série “Foda pacarai“, com alguns dos jogos mais difíceis de todos os tempos. Em geral, os jogos vão aumentando aos poucos seu grau de dificuldade AO MESMO TEMPO em que aumentam as capacidades do jogador, para nunca deixar que se tornem fáceis demais. Então se o jogador controla um personagem que vai aos poucos tendo mais armas, mais energia, mais vidas, os inimigos também vão ficando mais e mais poderosos para equilibrar a balança.
Mas como fazer quando o personagem não ganha nenhuma habilidade ao longo da jogatina? Se tudo que é possível saber sobre o jogo já me é acessível em poucos segundos de jogatina, como manter uma dificuldade sempre levemente desafiadora? Aí está o desafio dos grandes game designers.
Em “Balloon Fight”, o jogador entende perfeitamente a mecânica do jogo no primeiro minuto. A fase é contida em uma única tela e caso o personagem ultrapasse seus limites para a direita, aparece imediatamente na esquerda e vice-versa. É preciso estourar os balões dos inimigos sem deixar que estourem os seus, e para isso é preciso apertar um botão que faz o personagem bater seus braços para ganhar um pouco de altitude. Mas imediatamente o jogador percebe que existe uma FÍSICA MUITO PECULIAR a esse garoto em balões: quando ganha velocidade em uma direção, leva um tempo até que ele consiga parar o movimento e mudar seu trajeto; parar de bater asas causa uma queda em velocidade contínua e uniforme, e leva um tempo até que seja possível ganhar altura novamente. O jogo é SIMPLES, mas a física é ao mesmo tempo PLAUSÍVEL e muito, muito ESQUISITA.
Os inimigos são posicionados na primeira fase de modo que o jogador cometa erros rapidamente e tenha um balão estourado, descobrindo que para morrer deve perder os dois. Assim que tentar a fase novamente, o jogador verá que acabar com todos os inimigos da fase é muito fácil, mas terá que se ACOSTUMAR com aquela física que dificulta a realização das intenções do seu cérebro. Assim que todos os inimigos morrerem, a fase acaba e começa outra, com uma disposição COMPLETAMENTE DISTINTA dos inimigos e o surgimento de novos elementos na tela.
Nessa altura o jogador já tem algum domínio da física dos balões, mas o desenho da fase obriga que ele tenha um pouco mais de controle e repense suas estratégias. Assim que o jogador estiver confortável e vencer a fase, a próxima terá uma outra disposição e exigirá um controle ainda maior que o jogador ainda não possui e terá que adquirir.
Isso é diferente de uma simples leva de inimigos mais fortes, ou do aumento do número de inimigos, que vemos tradicionalmente nos jogos. “Balloon Fight” inova ao mudar TODO O DESIGN DAS FASES, colocando inimigos em posições que alteram completamente a dinâmica do jogo. São fases desenhadas para garantir que a tática que funcionou perfeitamente no estágio anterior não funcione no seguinte. Além de exigir uma compreensão cada vez maior da física magistralmente programada por Iwata, o jogo exige uma elaboração tática para os desafios propostos pelo diretor Yoshio Sakamoto, sempre aumentando gradualmente em dificuldade.
Quebra-cabeças
Enquanto os dedos se acostumam com o subir e descer dos balões, com a continuidade e a interrupção dos movimentos, o cérebro precisa bolar como vai abordar os desafios de cada fase: devo derrubar todos os inimigos, e só depois caçá-los no chão, ou é melhor atacar os inimigos logo na largada, antes que tenham a chance de colocar seus balões no ar? Se correr para os que ainda não voaram terei que diminuir minha altitude, o que me coloca em desvantagem frente àqueles que voaram; se esperar no alto em segurança para que os inimigos subam, terei um espaço aéreo lotado e terei que lidar com o posicionamento das plataformas, os raios das nuvens e os cata-ventos. No fundo, “Balloon Fight” é um quebra-cabeças cerebral que depende também de uma execução manual, de saber lidar com a física.
Ao longo de suas 12 fases, “Balloon Fight” exige de maneira gradual habilidades cada vez maiores nessas duas frentes. Com o fim do jogo, fica a sensação de se ter dominado completamente não apenas a mecânica, mas também a relação lógica entre os objetos e o espaço. É a satisfação de resolver um grande enigma.
Para aqueles que não se interessam pela parte quebra-cabeças e preferem apenas se divertir com a física do jogo, “Balloon Fight” oferece o modo “viagem”, em que o garoto amarrado em seus balões deve apenas desviar de espinhos enquanto completa um percurso. Esse modelo acabou gerando uma série de jogos de corredores infinitos que povoam os celulares de hoje, como o infame “Flappy Bird”, em que a dificuldade está apenas em compreender a física envolvida, não na velocidade dos reflexos.
Mas é a parte quebra-cabeças de “Balloon Fight” que mais deixou legado. Fases curtas, progressivamente mais difíceis, com um design diferente a cada etapa e que exigem que o jogador acumule experiência e conhecimento para vencer os desafios são padrão em vários puzzles para celulares e portáteis por favorecerem sessões rápidas e não dependerem de comandos complexos. Cada vida em “Balloon Fight” dura pouco mais de um minuto, sendo necessário muita tentativa e erro para estabelecer a melhor estratégia para cada fase. O aprendizado de uma tentativa auxilia na próxima, então sempre há algo a se ganhar em uma partida, mesmo que só se tenha um minutinho para jogar. Isso porque quem fica mais forte a cada sessão de jogo não é o personagem, mas o JOGADOR.
“Balloon Fight” é o tipo de jogo fácil de compreender e difícil de dominar. É um jogo simples, típico da primeira geração de jogos da Nintendo, mas executado de maneira tão inteligente que sua dificuldade progressiva torna o jogador cada vez melhor em resolver seus desafios e faz com que cada partida, por mais curta que seja, tenha valor rumo à solução final de cada tela.
Esse cenário de telas únicas, que era o padrão da indústria de videogames, só mudaria em definitivo no imaginário dos jogadores com “Super Mario Bros.“, criado para o lançamento do Nintendinho nos Estados Unidos, e com “The Legend of Zelda“, jogo planejado para popularizar o aparelho de disquetes do console. Até mesmo Yoshio Sakamoto, diretor de “Balloon Fight”, criou em seu projeto seguinte o famoso “Metroid”, uma longa jornada de ficção científica com atmosfera densa e jogabilidade rebuscada. Era o sinal de que aos poucos a Nintendo ia construindo jogos cada vez mais longos e complexos. Mas “Balloon Fight” é o pináculo de um outro tempo, em que os jogos não eram longas jornadas com começo, meio e fim, e ainda resiste bravamente como uma diversão simples e rápida que ao mesmo tempo respeita e premia todo o tempo que você decidir investir nele.