Prince of Persia
Jordan Mechner era um secundanista da universidade de Yale quando começou a programar jogos para seu Apple II. Dois deles jamais viram a luz do dia, mas um prosperou: “Karateka”, lançado em 1984, um ano antes de sair da faculdade. “Karateka” rapidamente se espalhou e foi não somente jogo mais vendido nos Estados Unidos naquele ano, mas o software. Pudera! Nunca havíamos visto personagens de videogame com movimentos tão perfeitos. E o gameplay irretocável? Um beat’em up misturado com luta one to one – “Kung-Fu Master” ainda estava quentinho, recém saído do forno…
O sucesso de “Karateka” fez Mechner investir seu tempo após a formatura em outro projeto: “Prince of Persia”, que abandonaria o cenário japonês e adotava de bom grado o arabismo fantástico das “Mil e uma noites” e dos seriados de cinema dos anos 30. Se em “Karateka” Mechner usou fotos de seu instrutor de caratê para compor a movimentação detalhada dos lutadores, em “Prince of Persia” o modelo foi mesmo seu irmão menor, que pulava, fingia-se esgrimista e rolava no chão. E o estilo de lutas seguidas, proto-beat’em up, foi substituído por lutas de espada entremeadas por longas sessões de saltos em plataformas, penhascos e armadilhas.
“Prince of Persia” foi lançado para Apple II em 1989 e, graças a seu êxito incrível, foi portado imediatamente para computadores mais modernos (o sistema de 8bit da Apple já era antiquado à época): Amiga e PC. Fora algumas melhorias sonoras, o jogo era o basicamente mesmo. As limitações impostas pelo Apple II à “Karateka” – ausência de música de fundo, cenários de pobreza franciscana – foram mantidas em “Prince of Persia” mesmo em plataformas com mais recursos. A música de entrada era mais bonita no Sound Blaster 16 dos PCs, mas não havia música de fundo. A title screen era mais colorida e detalhada em monitores SVGA, mas os cenários do jogo em si continuavam simples, como se continuássemos no velho Apple II. E, quer saber?, isso era muito bom. Tal concentração, tal foco em gameplay sobre todas as outras coisas, foi fator crucial de sucesso em “Prince of Persia”.
Claro, a versão PC de “Prince of Persia” foi a que mais vendeu e criou fãs. Não havia dono de 386 ou 486 que não tivesse uma cópia do jogo em seu HD de 80 MB. “prince.exe” foi um dos comandos do DOS mais conhecidos no início dos anos 90 em todo mundo. A união de um cenário fascinante mas meio raro – o mundo mítico árabe – com movimentos perfeitos e um gameplay que misturava puzzles de armadilhas e portas secretas com plataformas e saltos com duelos de esgrima foi irresistível. O sucesso do PC migrou para o NES, para o Super Nintendo, para o Mega Drive. Gerou continuações, dúzias, e até um filme de Hollywood. Mas o “Prince of Persia” original segue entre nós, seja em remakes para Xbox 360 e PS3, seja em jogos para celular.
A história do jogo é bastante simples mas traz um ingrediente interessante. O grão-vizir Jaffar, sedento por poder, rapta a filha do sultão, a prende em uma masmorra e irá matá-la em 60 minutos. Você – o tal príncipe sem nome – deve entrar nesse castelo e salvá-la antes do prazo fatídico. O tempo é o inimigo mais poderoso de “Prince of Persia”. Mais que pisos com espinhos e guardas espadachins, o relógio inclemente é que acelera o jogador, o fazendo tomar decisões sem pensar e errando saltos e corridas simples. E o pior é que morrer não é uma solução: cair de penhascos ou ser derrotado nos duelos faz a fase começar novamente mas NÃO zera o cronômetro. A hora disponibilizada por Mechner não é de hora de jogo – é tempo de verdade, do jogador. Salvar o progresso para continuar depois? Sim, mas só depois da terceira fase.
Há um elemento curioso de game design que afilia imediatamente “Prince of Persia” à geração anterior de jogos: a progressão tela-a-tela. Não há um caminho fluido a ser percorrido, como “Super Mario Bros.” ou “Double Dragon“. Em “Prince of Persia” o protagonista entra em uma tela, resolve o puzzle ou a batalha que o aguarda lá, e entra em outra tela, como novo desafio. Lembra muito o modelo de jogos de Atari como “Pitfall” ou “H.E.R.O.“, e o aparente anacronismo se transformou em inovação – “Prince of Persia” criou assim um novo gênero, chamado cinematic platformer por conta dos movimentos precisos (e lentos) dos personagens, cuja característica secundária era a progressão tela-a-tela, desafio-a-desafio. “Blackthorne”, “Flashback” e “Another world” são cinematic platformers que devem mais de duas coisas a “Prince of Persia”.
Como um jogo tão simples, quase despretensioso, feito para uma plataforma tecnicamente ultrapassada e que tem – por isso mesmo – tantas características antiquadas, se transformou num sucesso tão duradouro e influenciou tanta gente depois? Gameplay bem bolado e execução precisa, mais a bonita caracterização de um universo fascinante: eis os segredos de “Prince of Persia”, um dos títulos mais emblemáticos da história dos jogos de computador. Jordan Mechner jamais repetiria a mágica – virou praticamente um refém de “Prince of Persia”. O criador era muito menor que a criatura.