Streets of Rage 2
Em nossa série “Te pego lá fora” estamos acompanhando a história dos beat ‘em ups, os jogos de andar para o lado e socar a cara de inimigos a granel. Em 1987 “Double Dragon” popularizou o gênero no mundo inteiro, tornando-se um fenômeno comercial. A partir de então todo mundo queria uma fatia desse bolo, com desenvolvedoras lançando cópias safadas usando o mesmo modelo e inundando o mercado com pancadaria ruim. Em 1989 é que vimos um raro sopro de ar fresco com “Final Fight”, sucesso dos arcades que em 1990 ganhou versão para o Super Nintendo e se tornou – ao lado de “Street Fighter 2” – um dos grandes motivos para se comprar o console.
Naquela época, a Sega estava decidida a dominar o mundo com seu Mega Drive e chutar o Super Nintendo pra baixo do tapete, já com a visão de que o mercado interno japonês em breve não seria suficiente para sustentar a indústria de jogos. Para isso a Sega teve que fazer escolhas bastante ousadas. Jogos passaram a, de saída, já pensar em cativar o público dos Estados Unidos e da Europa, somados a campanhas de marketing agressivas que mostravam o Mega Drive não como um videogame, mas como um modo de pensar, uma postura frente ao mundo: atitudes descoladas, contra as regras, agressivas, coloridas, rápidas, para jogadores adolescentes que já haviam crescido desde o momento em que jogaram o Nintendinho da primeira vez e queriam algo mais. Isso quer dizer que se o Super Nintendo tinha “Final Fight”, o Mega Drive tinha que ter algo ainda mais sujo, radical e frenético.
A Sega já havia criado outros beat ‘em ups de sucesso voltados para o público ocidental antes: “Altered Beast” e sua visão homo-erótica da mitologia grega e “Golden Axe“, uma visão nipônica da fantasia medieval europeia. A ameaça de “Final Fight”, no entanto, forçou a Sega a lidar com o tema briga-de-rua em todo seu esplendor e num momento crucial para a empresa estabelecer de vez sua supremacia no mercado dos Estados Unidos. Foi assim que surgiu “Streets of Rage”, um jogo que não tem intenção de ser o melhor de seu gênero, mas sim de vender uma IMAGEM, uma ATITUDE, algo que gritasse a plenos pulmões que os concorrentes nunca teriam tanta coragem, ousadia e ESTILO. Mais do que o jogo, interessava a ROUPA que ele estava usando.
“Streets of Rage” saiu em 1991 em lançamento simultâneo no Japão e nos Estados Unidos, algo raro pra época. No jogo, três ex-policiais precisam lugar contra uma organização criminosa que conseguiu corromper todos os policiais da cidade, devolvendo a cidade à sua normalidade NA BASE DO SOQUINHO. Em termos de jogabilidade, nada muito inovador: os mesmos golpes e dinâmicas já canonizados pelo gênero, com uma camada de tinta colorida e cheia de luzes piscantes. Um jogo inteiramente esquecível. Se não fosse pela trilha sonora.
Yuzo Koshiro era um jovem músico japonês que, apesar de sua vasta formação em música e composição, queria mesmo era se tornar um programador de videogames. Havia crescido cercado por fliperamas e seu sonho era criar um jogo, mas aos poucos percebeu que seria mais fácil participar dos jogos que ele tanto amava compondo ao invés de digitando códigos. Koshiro é o responsável por várias trilhas de jogos fantásticas em diversos estilos, indo de “ActRaiser” a “Shenmue“. Em “Streets of Rage” recebeu a responsabilidade de criar um som inovador, ligado com as tendências mais recentes dos Estados Unidos e não com a música que estava tocando na época no Japão. Koshiro atravessou o oceano, conheceu a MTV, comprou uma infinidade de fitas-cassetes e descobriu o house e o techno. Juntou tudo num balde de referências, com um toque de blues, jazz e música pop, e criou uma trilha sonora que EXPLODIU MIOLOS.
No Japão, o estilo musical presente em “Streets of Rage” ainda era quase inteiramente desconhecido e acabou virando referência, com Yuzo Koshiro virando uma celebridade instantânea, lançando sua trilha sonora em disco e sendo convidado como DJ nas baladas mais importantes do país. Nos Estados Unidos, as mesmas músicas foram recebidas como obra de alguém “de dentro”, de alguém que estava ciente do que era sucesso entre os jovens, do que era mais inovador nas boates, e conseguiu tornar aquilo acessível e popular. Ninguém se importava com o jogo, mas dar porradas ao som daquela trilha sonora era simplesmente LEGAL, MANEIRO, e capturava a essência do que era ser adolescente nos anos 90. “Streets of Rage” era menos jogo e mais como um clipe interativo do Michael Jackson.
Em 1992 a Sega resolveu chutar o balde. Deu carta branca para que Yuzo Koshiro e a equipe de desenvolvedores se juntassem para criar uma obra que agarrasse a molecada do mundo inteiro PELOS BAGOS. A trilha sonora se aprofundou mais no techno, fazendo algo impensável para os videogames da época: abrir mão de melodias assobiáveis em troca de uma música composta essencialmente por batidas. O jogo seguiu a deixa: abriu mão de alguns lugares seguros do gênero e tornou a briga mais estranha, “suja”, menos glamourosa. A jogabilidade ganhou uma ênfase em agarramentos e arremessos; os personagens ficaram mais lentos mas com mais possibilidades de golpe; cada personagem ganhou uma série de habilidades especiais; bater em vários inimigos ao mesmo tempo se tornou parte essencial da dinâmica do jogo. Os gráficos ganharam uma atenção especial com animações mais sofisticadas e personagens muito maiores, com tantos pixeis quanto apenas os grandes chefões costumavam receber. E tudo ao som daquela trilha SOBERANA.
A continuação não é apenas uma simples evolução do jogo anterior, ela é o ápice das mecânicas do gênero, um primor de ambientação e é impossível não passar pelos seus cenários absurdos ao som das batidas eletrônicas sem ser contagiado por uma adrenalina adolescente. “Streets of Rage 2” é muito provavelmente o melhor beat ‘em up de sua geração e ainda assim seu maior mérito está em como consegue vender a IDEOLOGIA da Sega no período. Não é muito absurdo dizer que o jogo é quase um musical: sem a trilha sonora não haveria toda a construção AO REDOR da jogabilidade que é o que realmente faz a diferença ali.
Ainda deu tempo do Mega Drive receber um terceiro jogo da série antes do fim da geração, dessa vez com o Yuzo Koshiro experimentando tanto com a falta de melodia e as batidas fora do compasso que foi até acusado por muita gente na época de não estar sequer fazendo música.
A trilogia “Streets of Rage” conta uma historinha lá sobre policiais, mafiosos, corrupção e outras bobagens, não lembro direito porque não interessa, ninguém está preocupado com ela. Mas existem duas OUTRAS histórias acontecendo ao longo desses três jogos completamente independente da narração: uma é a história de como os personagens se desenvolvem de um jogo para o outro, como começam a ficar mais durões, aguentar mais porrada, se focar mais nos agarrões, adquirir habilidades especiais; e a outra é a história de como o mundo de jogo se desenvolve através da música, de como os ritmos se tornam cada vez mais abstratos, de como o house vai se tornando techno. São histórias sem palavras que acontecem através da estranha união entre MÚSICA e JOGABILIDADE, e que são infinitamente mais significativas do que a historinha IMBECIL que meia dúzia de roteiristas da Sega escreveram em dez minutos. Nessas histórias para além do texto é que a Sega fez do Mega Drive um sucesso, capturando sensações que traduziam toda uma geração de jogadores.