The Legend of Zelda
Em 1985 a Nintendo estava colocando em prática planos ambiciosos de dominação mundial. Depois do sucesso japonês de seu console de mesa, o Famicon, a Nintendo queria lançá-lo nos Estados Unidos ao mesmo tempo em que no Japão planejava vender um periférico para o videogame que permitiria rodar jogos mais complexos a partir de disquetes ao invés de cartuchos, o “Famicon Disk System”. Para ajudar no sucesso dessa empreitada, Shigeru Miyamoto passou a trabalhar em dois projetos AO MESMO TEMPO: um seria um jogo linear para o lançamento do Nintendo americano e o outro seria um jogo de mundo aberto para os disquetes japoneses. Seu jogo linear saiu em setembro de 1985: trata-se de “Super Mario Bros.”, o jogo que revolucionou o gênero plataforma e que consolidou os videogames no mercado após a derrocada da Atari. Em fevereiro de 1986 foi a vez de seu jogo de mundo aberto: “The Legend of Zelda”, o jogo que revolucionou a narrativa e o escopo dos jogos de videogame.
Foi assim que, num intervalo de cerca de 5 meses, Shigeru Miyamoto criou DOIS dos jogos mais influentes de todos os tempos. Essa façanha mágica já seria o suficiente para elevar seu nome ao topo da lista de game designers mais importantes, mas aí temos que lembrar que ele REPETIU A DOSE uma década depois, com mais dois jogos dessas mesmas franquias que mudaram a história entre 1996 e 1998 – mas desses a gente fala depois.
“Super Mario Bros.” já ganhou nossa honraria máxima, a PIXEL DAS GALÁXIAS, e agora é a vez de “The Legend of Zelda” receber o mesmo prêmio – ainda que os dois jogos sejam, em conceito, praticamente opostos.
Enquanto “Super Mario Bros.” é um jogo em que Mario precisa chegar ao final de uma fase para ter a possibilidade de encarar a próxima de maneira linear, em “The Legend of Zelda” todas as fases estão interligadas em um único mundo de jogo, aberto desde o início para o jogador. É uma versão anabolizada de “Adventure“, do Atari, que tinha 30 telas conectadas e forçava o jogador a ir e voltar por todas elas para conseguir alguns itens bem simples e usá-los nos lugares certos para vencer o jogo. Mas em “The Legend of Zelda” são centenas e centenas de telas de um mundo em que não se sabe quais são os itens a serem encontrados, onde devem ser usados, e nem quais perigos estarão no caminho. Aqui está toda a genialidade de Miyamoto: seu enorme mundo aberto não te explica nada, não te segura pela mão, não te mostra os caminhos, mas te dá todas as ferramentas para que você descubra tudo sozinho. “The Legend of Zelda” é o primeiro jogo da história em que a experiência está toda na EXPLORAÇÃO.
Ao pegar um controle na mão nos anos 80, todo mundo fazia as perguntas básicas: “quem é meu personagem, qual o meu objetivo, o que é que eu tenho que fazer?” O jogo de Miyamoto responde a isso apenas parcialmente: o personagem é o rapaz de nome Link (mas que pode ter o nome que você quiser, já que ele não fala e está lá apenas para ser o representante do jogador no mundo de jogo; pode até chamar ele de “PINTO”); seu objetivo é juntar artefatos mágicos para poder resgatar Zelda. Simples de tudo. Mas como fazer isso? Para onde devo ir? Não há resposta. O personagem sequer tem um ataque!
Desarmado e indefeso
Para impedir que algum jogador ache que se trata de um jogo convencional e saia dando espadadas em todo mundo enquanto anda da esquerda para a direita, Miyamoto foi lá e ARRANCOU a espada das mãos de Link durante a programação. O resultado é um personagem inofensivo, frágil, que não tem outra opção a não ser explorar o mundo ao seu redor. Logo ali na primeira caverna a exploração é recompensada com uma das frases mais icônicas dos videogames e a espadinha tão necessária.
Começar o jogo sem uma espada é uma grande sacada. Você só precisa dar meia dúzia de passos para entrar numa caverna e conseguir sua arma, mas se der os seus passos em outra direção, se resolver explorar outras cavernas, se acabar se enfiando na floresta, então sua experiência com o jogo será a de um personagem desarmado num mundo hostil de dificuldade extrema. Dá até pra terminar o jogo sem pegar a primeira espada, mas é preciso criar soluções, estratégias e buscar outras formas de se defender, todas bastante complexas e que exigem muita habilidade. Apenas alguns poucos itens são verdadeiramente obrigatórios para que seja possível entrar em algum calabouço ou matar algum inimigo específico; fora isso todo o mundo de jogo está disponível desde o princípio e o jogador pode se enfiar em lugares perigosos demais se não tiver as armas certas. Cabe ao jogador perceber que talvez estar num lugar hostil demais não seja uma boa ideia naquele momento, partir para outras bandas e buscar itens que ajudem a enfrentar os desafios propostos – ou então enfrentá-los mesmo assim, na insistência de um jogador de “Ghosts ‘n Goblins“.
Não tem tutorial, videozinho no YouTube ou FADINHA MALA pra te dizer o que fazer, no máximo rola um ou outro personagem te dando pequenas dicas enigmáticas que além de tudo são HORRIVELMENTE traduzidas.
O que temos mesmo é a simulação da experiência pessoal de Shigeru Miyamoto de explorar a natureza de sua cidade natal quando criança sem ninguém carregando ele no colo. O jogo te propõe essa eterna sensação de friozinho na barriga de quem não sabe nunca o que vai encontrar ou onde deveria estar, e que só pode ser vencida através de constante e metódica exploração e catalogação do terreno, das masmorras e das formas de vida. Pense nas aventuras de um jovem cientista.
Trabalho em equipe
É claro que explorar esse mundo enorme é tarefa para muitas e muitas horas, por isso Miyamoto lançou o jogo originalmente para o sistema de disquetes da Nintendo, fazendo uso de um disquete regravável para que o jogador pudesse salvar seu progresso. Depois que as planos de lançar o periférico nos Estados Unidos foram privada abaixo por motivos de DISQUETES SÃO MERDA, a Nintendo foi obrigada a lançar “The Legend of Zelda” no ocidente com uma bateria interna no cartucho – o primeiro jogo da história a fazer isso – e que fazia o jogo custar até 70 dólares, o dobro de muito joguete da época (e teve que abrir mão do suporte ao microfone da versão japonesa, presente no periférico dos disquetes, e que permitia matar alguns inimigos literalmente no grito).
O tamanho do mundo de jogo e a falta de direcionamento foram planejados para serem vencidos por muita exploração e TRABALHO CONJUNTO por parte dos jogadores. Já podemos ver em “The Legend of Zelda” essa preocupação da Nintendo com as relações sociais de seus jogadores (e que gerará importantes frutos futuros), através do incentivo para que jogadores compartilhassem suas descobertas do jogo – portas escondidas, passagens secretas, itens raros, personagens importantes, as coordenadas para não se perder na floresta, etc. Conforme a popularidade do jogo foi crescendo, a Nintendo passou a publicar essas descobertas dos jogadores em um folheto gratuito enviado periodicamente pelos correios para quem se cadastrasse; em pouco tempo o desespero das pessoas por mais informações levou à criação da revista “Nintendo Power” (aquela lá, essencial para saber como terminar “Bart vs The Space Mutants“). Mas se a revista ajuda com muitas dicas e segredos úteis, ela também estraga a parte mais importante da experiência que é a exploração e a descoberta de coisas inesperadas no processo, sempre com aquela mini-musiquinha que toca a cada segredo encontrado.
Quem mexeu nos meus pontos?
“The Legend of Zelda” foi um sucesso inesperado, vendendo cerca de 6,5 milhões de cópias. Muita gente mergulhou na experiência, encarou o mapa do jogo que vinha junto com o cartucho, procurou cada segredinho e inventou sua estratégia.
Mas muita gente simplesmente achou que era um “Super Mario Bros.” com espadas e lidou com o jogo como se ele fosse inteiramente linear mas sem orientações, pegou as dicas da “Nintendo Power” e correu pelo jogo pra chegar até o final. “The Legend of Zelda” deixou um legado fantástico nos videogames, que passaram a poder se preocupar com a transmissão de sensações e experiências, com a exploração do mundo e não com a habilidade dos dedos, mas a verdade é que “Super Mario Bros.” deixou um legado tão forte nos jogadores que parte desse modo “linear” de ver os jogos existe até hoje, com gente que quer simplesmente saber qual é a resposta certa para terminar com o desafio logo e fechar o jogo, alheio à experiência do processo de descoberta.
Shigeru Miyamoto arrancou do topo da tela de “The Legend of Zelda” a pontuação que existia em todos os jogos de ação e trocou por um MAPA e pela possibilidade de escolher qual item será usado no botão A e no botão B do controle (ao invés do padrão de pular e correr). Essa escolha deveria deixar tudo óbvio: lasquem-se os pontos, o que importa aqui é EXPLORAÇÃO e ESTRATÉGIA. Mas, confusos, alguns jogadores ainda olham para a tela até hoje se perguntando onde é que está o marcador de pontos.