California Games
Mais fascinante que muito jogo é a história do Master System no Brasil. No Japão, onde nasceu, e nos Estados Unidos, o principal mercado mundial, o console de 8 bit da Sega foi um grande fiasco – lançado três anos depois do Famicom, não tinha como competir com a vasta biblioteca de jogos da Nintendo, na maioria das vezes produzidos por parceiros presos em contratos de exclusividade. O tão fofinho Master System só vicejou mesmo no lugar em que se plantando, tudo dá: este Brasil varonil terra-de-nosso-senhor.
Obra e graça da Tectoy e seu marketing exuberante, e também da tradicional miopia da Nintendo, empresa tão boa pra errar quanto pra acertar. A Big N deu as costas pro mercado brasileiro, não quis licenciar o NES e fez vistas grossas para os pirateiros e clonadores. Por isso a brasileira Tectoy – que já tinha estabelecido um relacionamento com a Sega vendendo por aqui as pistolas Zillion – entrou no mercado de games apostando, against all odds, no patinho feio Master System. Sabendo ter nas mãos um azarão, investiu. Torrou dinheiro grande em publicidade e presença na mídia. Monopolizou páginas de jornais e revistas (lembra? aquela forma de comunicação em massa baseada em palavras escritas com tinta sobre células decompostas de árvores mortas), fez acordos agressivos com grandes varejistas e aparecia maciçamente na televisão. A Tectoy chegou a manter um programete na TV Globo chamado “Master Dicas”, apresentado por Rodrigo “Hoje Não” Faro.
Para sustentar tanta propaganda, o Master System era caro pra cacete – tipo uns 2800 reais de hoje, um pouco menos que um PlayStation 4. E mesmo assim deu certo. Entre 89 e 90 já tinham sido vendidos mais de 300 mil Master Systems no Brasil, muito mais que todos os clones de NES somados. Só se falava de Master. Os vizinhos, os amigos do colégio, aquele primo rico – todo mundo tinha Master, jogava “Outrun” e achava que jogo de ninja era “Shinobi” e não esse tal de “Gaiden” aí. O Gugu jogava “Alex Kidd” na televisão e não “Mario“. Que Mário?
Historinha pessoal: depois do Atari eu demorei pra voltar aos consoles. Em 89 eu era o feliz proprietário de um MSX Hotbit da Sharp e me refestelava com clássicos da Konami que ninguém conhecia. Só tive um videogame novamente em 92, quando meu pai me deu um Super Charger, um famiclone importado da China. Nessa época, o lance era o Mega Drive, outro sucesso da Tectoy – e eu me lembro de ter visto, maravilhado, “Quackshot” na casa de um amigo. Voltei meio deprimido para o meu “Duck Tales” de sempre, sem sacar que era muito melhor. Gráficos enganam.
O Mega Drive flopou no Japão mas deu muitíssimo certo nos EUA – lá o Super Nintendo só conseguiu ultrapassá-lo bem no finalzinho da geração. No Brasil o Mega mandou bem, Sonic era o grande fodão da rapaziada, mas nem de longe chegou a causar o impacto do Master System dos primeiros anos. Por conta dos esforços da Tectoy, o Master tinha deixado de ser um fenômeno de videogame – já era um protagonista da cultura pop brasileira do final dos anos 80.
A Tectoy trabalhou duro para não deixar a magia acabar. Em um lance genial, resolveu pegar jogos desconhecidos e adaptar para personagens brasileiros. Daí surgiram os jogos da Mônica (vários, sendo o mais famoso o “Castelo do Dragão”), games traduzidos (“Phantasy Star” em português!) e adaptações criativas de títulos – como este “California Games”, que virou “Jogos de Verão” mesmo. Afinal, não fazia sentido nós, que moramos um país-tropical-abençoado-por-deus-e-bonito-por-natureza, vermos alguma poesia no verão californiano. (Tirando, claro, Lulu Santos.)
E sabem de uma coisa? “Jogos de Verão” foi o segundo jogo do Master mais vendido no Brasil em todos os tempos! Mais popular que ele, só Mickey Mouse e seu “Castle of Illusion”. Sim, “California Games” foi um sucesso lá fora também, com ports para computadores de 8 bit e virtualmente todos os consoles caseiros do mercado. Mas aqui era demais. O que será que tinha nesses minigames muito simplezinhos de surfe, bicicleta, skate, patins, frisbee e footbag que atraíram tanto os brasileiros?
Tenho um palpite. Quando a televisão estourou no Brasil, no final dos anos 60, criou-se um fenômeno curioso, o dos televizinhos. Televisores eram coisas muito caras, então o hábito era compartilhar a telinha com a vizinhança. Dava a hora da novela e a rua toda estava em uma só casa, se espremendo para ver o Francisco Cuoco beijar a Regina Duarte. Tenho cá comigo que o mesmo acontecia com o Master System, tão desejado quanto inacessível. Toda tarde, hordas de moleques fedorentos invadiam o quarto do único Master do bairro em busca de um pouco de diversão eletrônica comunitária.
“Jogos de Verão” tinha o multiplayer perfeito para os mastervizinhos: até OITO jogadores, um após o outro.
O mais longevo
Ninguém bate o Master System: graças ao Brasil, ele é o videogame há mais tempo em produção da história. São 29 anos ininterruptos, sendo os últimos 24 sendo fabricado somente aqui. Quer comprar? Custa 230 reais e vem com 132 jogos pré-instalados – R$ 1,74 por game. QUER PAGAR QUANTO?
Toda a história, por seu protagonista
Impossível falar da Tectoy sem recomendar a fantástica entrevista com Stefano Arnhold, principal executivo da empresa desde sua fundação.