Superman
Quando o primeiro filme do Superman saiu nos cinemas em 1978, a Atari quis aproveitar a onda para lançar um jogo do héroi para seu console de mesa. O programador John Dunn recebeu então a função ingrata: criar um jogo com o Superman que coubesse num cartucho de Atari 2600 e que atraísse os fãs do Homem de Aço. A dificuldade do projeto está no fato de que o Superman não é um personagem fácil de lidar, nem nos quadrinhos, nem nos filmes, nem nos videogames. Criar desafios para um super-herói ultra poderoso e praticamente invulnerável não é tarefa para qualquer um, e os videogames ainda apresentavam uma dificuldade adicional: a mecânica tradicional dos jogos exigia que o personagem jogável morresse ao sofrer algum dano, algo impensável para o Superman. Se toda a dinâmica dos jogos eletrônicos da época estava focada em evitar obstáculos que causam a morte do personagem, como evitar essa possibilidade e ainda assim oferecer algum tipo de dificuldade ou objetivo para o jogador? A saída de John Dunn foi extremamente inventiva e corajosa: “Superman” para o Atari 2600 é o primeiro jogo de ação da história em que NÃO É POSSÍVEL PERDER.
O Homem Invencível
Não está em questão se o Superman vai ou não ser capaz de derrotar Lex Luthor e seus capangas, é apenas uma questão de QUANDO. Para manter a integridade do personagem, ser fiel à ideia de sua invencibilidade, e transmitir aos jogadores a sensação de poder que o personagem exala, o que está em jogo é apenas quanto tempo o jogador demora para vencer os desafios propostos. Ao invés de um contador de pontos, múltiplas vidas ou mesmo uma barra de saúde, o jogo mantém um relógio constante na tela que avalia quanto tempo você leva pra terminar o jogo. Numa época obcecada por high scores, eis um jogo mudando as regras para saber quem é mais rápido na solução de um problema que não tem qualquer chance de falha.
Os desafios propostos ao jogador são os seguintes: a ponte de Metropolis explode bem quando Clark Kent vai atravessá-la pra chegar ao Clarim Diário e cabe ao Superman recuperar os três pedaços da ponte que se espalharam pelo mapa para reconstruí-la (imagina dar essa desculpa no trabalho: “desculpa, cheguei atrasado porque bem quando eu estava vindo a PONTE EXPLODIU”); além disso é preciso levar Lex Luthor (voando com sua mochila-helicóptero-ostentação nas costas) e seus capangas para a cadeia. Não tem burocracia, Superman é POLÍCIA, JURI e JUIZ e pode enfiar quem quiser na cadeia a qualquer hora. Só não existe o risco dele acabar prendendo um inocente no processo porque no jogo existem apenas três tipos de personagem: o Lex Luthor, os capangas de metralhadora e chapéu de mafiosos, e a Lois Lane, que não dá pra confundir porque usa saia. Com todo mundo preso e a ponte reconstruída, Superman precisa entrar numa cabine telefônica, voltar a ser Clark Kent e finalmente chegar no seu trabalho para dar o jogo como encerrado.
É hora de Aventura!
A obra de John Dunn é uma espécie de avô do “Adventure“. Embora não exista nenhuma informação oficial a respeito, é bem provável que Dunn e Warren Robinett, criador de “Adventure”, tenham trocado informações por estarem trabalhando em seus jogos no mesmo prédio, praticamente na mesma época, e com premissas similares. “Superman” tem cerca de 20 telas interligadas (contra as 30 de “Adventure”) pelas quais os vilões fogem aleatoriamente para serem caçados pelo jogador e levados para a cadeia. Os três pedaços da ponte, pelo contrário, ficam sempre no mesmo lugar para que o jogador as resgate – com o único porém sendo a existência de um HELICÓPTERO CUZÃO, avô do MORCEGO CUZÃO de “Adventure”, que vai aos poucos mudando os pedaços de ponte de lugar. É uma pena o Superman ser tão bonzinho, porque ao invés de pegar o helicóptero nas mãos e voar com ele pra longe, como o jogo permite que você faça, o ideal seria ESMIGALHAR esse HELICÓPTERO CUZÃO com as mãos nuas, e depois fritá-lo na visão de calor.
Se o jogador for direto para o local dos pedaços da ponte e montar a obra de volta rapidinho, o helicóptero nem tem a chance de ficar te enchendo o saco e aí o desafio passa a ser apenas encontrar Lex Luthor e seus capangas, num bizarro jogo de pega-pega em que ninguém tem como atacar ou ferir o Superman. Ou seja, o Superman até tarda, mas não falha.
A grande diferença entre o mapa de “Superman” e “Adventure” está no modo como as telas são interligadas. Uma das coisas mais legais do jogo é o fato de que Superman voa, dando uma incrível sensação de liberdade poder voar pelos cenários à vontade. Mas John Dunn resolveu não colocar barreiras invisíveis no jogo, fazendo com que caso você voe por cima dos prédios rumo ao fim da tela para o alto e avante, você seja enviado para outra tela do mapa – seguindo uma regra lógica mas que eu NUNCA fui capaz de compreender. Caso você deixe de voar e simplesmente ande da esquerda para a direita, visitará as 20 telas do jogo numa ordem constante até que as telas comecem de novo, como se você estivesse andando em círculos. Mas caso voe para o alto ou para baixo da tela, é como se o Superman fosse teletransportado para uma das outras 20 telas, mas não aleatoriamente – voar para cima ou para baixo te leva sempre para os mesmos lugares, mas que variam de acordo com a tela em que você está. Um jogador que tenha entendido e decorado essas sequências de telas consegue terminar o jogo em cerca de 1 minuto, fazendo uso dos atalhos que o ato de voar lhe oferece.
Mas se você, como eu, não entender bulhufas da lógica envolvida no transporte entre telas, acabará voando de um lado para o outro loucamente, tal qual pássaro embrigado, e o jogo pode levar um bom par de horas para ser enfim vencido.
Existe a possibilidade de usar a visão de raio-X de Superman apertando o botão do controle, o que na prática significa poder olhar para as outras telas que estão ao redor da tela em que você se encontra, o que supostamente deveria fazer você não se perder ou pelo menos saber se existem inimigos a serem capturados nas redondezas. Pra mim, o sistema só é mais confuso: quando estou completamente perdido, ver que as telas ao meu redor não são o que eu esperava só me deixa ainda mais perdido.
É perigoso sair sozinho
O único perigo com que o Superman precisa se preocupar durante o jogo são uns pedaços voadores de kriptonita que, caso toquem o personagem, retiram sua capacidade de voar. Sem voar não dá pra carregar pedaços de ponte ou os inimigos, apenas passear pela cidade para ver alguns dos cenários mais MEDONHOS da história dos videogames. A única solução é encontrar Lois Lane andando de boa pela rua, dar uns amassos nela (com direito a pezinho sendo levantado durante o beijo) e aí recuperar a sua VONTADE DE VIVER, podendo voar de novo pelos cenários.
Fora isso, de perigoso mesmo só o bizarro sistema de metrô de Metropolis, constituído por algumas telas cada uma de uma cor, e que levam o jogador para algum outro ponto importante do mapa. O perigo desse sistema está no fato de que é preciso ser um gênio pra entender qual tela e qual cor leva você para onde você quer ir, resultando em infinitas voltas em círculo e teleportes bizarros. Quando os inimigos entram no metrô, então, aí o jogo vira TERRA DE NINGUÉM, com você tendo que perseguir capangas que vão parar em telas que você simplesmente não sabe onde estão. Não é à toa que Metropolis depende tanto de suas pontes: o metrô é INCOMPREENSÍVEL para o cidadão comum.
Alienígenas à prova de falhas
O jogo não fez muito sucesso na época, com sua quebra de paradigma sendo um pouco incompreensível para as crianças acostumadas com desafios que levam à MORTE. Mas sua tentativa de se manter fiel ao personagem não apenas é infinitamente superior a qualquer tentativa futura feita em jogos com o Superman, mas também criou uma possibilidade para jogos de “personagem” em que não existem falhas, e que acabou sendo a base para o lendário “E.T. the Extra-Terrestrial” para Atari em 1982, história para outra hora. Jogos não precisam ser sobre falha e repetição, mas o modelo criado nos arcades era difícil de combater até mesmo para o Homem de Aço. Quando foi parar em “E.T.”, então, aí foi o fim do mundo – pobres alienígenas incompreendidos.