Radiant Silvergun
Assim como aconteceu com “Mega Man 3”, temos mais um jogo em que o grau de dificuldade épico – digno da nossa série das segundas, a “Foda pacarai” – une-se a uma jogabilidade perfeita, elevando-o ao nível supremo de honraria entre os jogos do século passado – nosso selo de qualidade MÁXIMA, o “Pixel das Galáxias“. Trata-se de “Radiant Silvergun”, o jogo de naves DEFINITIVO, nascido para converter os descrentes e provar que o gênero “shoot ‘em up” é, quando executado à perfeição, a junção de todos os grandes gêneros que povoam os videogames.
Ao falar de “Silver Surfer“, um dos jogos mais cruéis de todos os tempos, elencamos as razões da dificuldade elevada: a satisfação em vencer grandes desafios quando há certeza de que podem ser vencidos, o gosto pela memorização dos obstáculos e suas soluções, a longevidade do jogo e a possibilidade de compartilhar seus feitos com uma comunidade que saberá reconhecer seus esforços sobre-humanos. “Radiant Silvergun” caminha na mesma linha, mas ele diverge em um ponto fundamental – a memorização – e acaba explicitando dois modelos muito diferentes de encarar o design de jogos dentro da indústria dos videogames.
Quando o criador de um jogo concebe sua obra, ele pode optar por uma espécie de “direção absoluta”: imagina cada um dos obstáculos, decide qual solução eles terão, e então leva o jogador a alcançar aquela solução determinada. É quase como se fosse um filme criado pelo seu diretor, mas que exige que as soluções certas sejam descobertas de modo a fazer com que o filme continue. Isso acontece toda vez que vemos a “mão forte” do criador exigindo que o jogador alcance a SOLUÇÃO CORRETA previamente estabelecida para o desafio proposto – solução essa que pode depender de dedos rápidos, reflexos precisos, memorização, gestão de recursos ou raciocínio lógico no caso de quebra-cabeças. Quase todos os puzzles possuem apenas uma solução, basta que você descubra qual ela é e o jogo nunca mais lhe será obstáculo algum. Em “Silver Surfer”, por exemplo, após ter decorado o padrão de todos os inimigos e ter uma velocidade monstruosa no ato de apertar o botão de tiro (CONTROLE TURBO, eu escolho você!), é possível vencer todo o desafio sem perder nenhuma vida. Cada inimigo foi colocado lá com uma resposta certa para vencê-lo: um posicionamento exato na tela, uma ordem precisa dos tiros, a necessidade de um certo upgrade, etc.
Mas há outra possibilidade na hora de criar jogos. Ao invés do foco nos desafios e nas suas respostas, é possível optar pela construção de uma MECÂNICA de jogo específica – a física que rege aquele mundo, o leque de possibilidades sempre abertas ao jogador, o resultado do apertar de cada botão, etc. Com a mecânica em vigor, o criador pode estabelecer desafios “abertos”, ou seja, desafios a serem vencidos de quaisquer maneiras que a mecânica permitir. Isso pode significar que, por culpa da física do jogo, vencer um obstáculo possa ser feito de dezenas de maneiras diferentes – e não de uma única maneira certa. Também pode acontecer, claro, de que o obstáculo simplesmente não seja ultrapassável dentro daquelas regras. Um chefe que parecia surrealmente difícil pode acabar ficando fácil demais frente a uma solução não imaginada antes pelos criadores; um chefe planejado para ser fácil pode acabar saindo quase impossível dadas as regras do mundo. O diretor deixa de ter controle total sobre sua obra: é como se ele criasse a física e as regras do mundo, e o que acontecesse dentro disso fosse inteiramente responsabilidade do jogador.
Vejamos o caso de “Radiant Silvergun”. Hiroshi Iuchi, seu criador (e Treasure, empresa responsável SÓ pelos MELHORES jogos de correr e atirar da história), instituiu as seguintes regras: a nave tem uma área de impacto bem restrita (o pobre coitado do Surfista Prateado morre até se tomar um tiro no DEDÃO DO PÉ, enquanto as naves de “Radiant Silvergun” só explodem com tiros em sua fina área central, ignorando as “asas”), existem 3 tipos diferentes de tiros (os diretos, os teleguiados e os laterais), 3 combinações entre eles (um direto-teleguiado, um teleguiado-lateral, e um direto-lateral), uma sétima arma de combate corpo-a-corpo que absorve tiros, matar inimigos da mesma cor em sequência rende mais pontos, e os pontos obtidos com o uso de uma das 7 armas descritas acima faz com que ela evolua gradativamente. E é isso. Todo o jogo ocorre a partir dessas regras acima, e todos os obstáculos podem ser resolvidos da maneira que lhe bem agradar dentro dessas mesmas regras.
O que temos então é uma infinitude de maneiras distintas de jogar “Radiant Silvergun”: você pode deixar inimigos vivos para focar apenas naqueles que tem uma cor específica, maximizando seus pontos e sua evolução, mas deixando que inimigos vivos tornem a tela um INFERNO com seus bilhões de tiros por segundo; ou você pode escolher matar todos os inimigos o mais rápido possível, tentando tornar a tela um lugar seguro mas comprometendo sua evolução. Você pode escolher evoluir uma arma específica que lhe permita fugir para as costas de um chefe e matá-lo de lá em segurança; mas você pode ter evoluído outra arma que exigirá que você enfrente o chefe por outro ângulo, tendo que enfrentar um padrão quase impossível de ataques. Em momentos de corredores estreitos, você pode tentar absorver os tiros adversários para tentar trafegar com segurança, ou então seguir matando os inimigos para aumentar sua sequência de pontuação.
Em geral, jogos mais controladores te dão uma arma inicial e inimigos criados para serem mortos por ela; depois te dão uma segunda arma, e a fase fica recheada de inimigos novos a serem mortos por essa nova arma. Mas “Radiant Silvergun” te dá SETE ARMAS de uma só vez, desde o segundo inicial do jogo – é botão que não acaba mais. Não há inimigo certo a ser morto pela arma certa – existem estratégias e abordagens diferentes, sugestões, indícios, a gente rebolando como pode dentro das regras instituídas. Tá, tem vezes que para um gênio do “Radiant Silvergun” um chefe pode ser fácil demais; tem vezes que, frente à estratégia que eu estive empregando nas últimas duas horas, um chefe fique muito próximo do impossível de ser derrotado. Mas o responsável sou apenas eu, o jogador, e o conjunto das minhas escolhas desde o momento em que o jogo iniciou. A física não muda – as regras iniciais estão sempre dadas. É por isso que “Radiant Silvergun” é um dos jogos mais difíceis que esse planeta já concebeu – mas também um dos que mais oferecem saídas, estratégias, diferentes abordagens no seu modo de confrontá-lo. A cada morte – e elas acontecem às dezenas por minuto – você é levado a acreditar que talvez outra estratégia fosse mais eficiente, e que vale a pena jogar só mais um pouquinho para testar. Só mais um pouquinho. Só mais um pouquinho.
“Radiant Silvergun” é sempre surpreendente: tem estratégia, pensamento lógico, a evolução dos jogos de RPG, partes de plataforma, exige reflexos rápidos e certa dose de memória, e em igual medida exige calma e paciência para não se desesperar quando a tela é TOMADA por tiros pra fazer uso de sua pequena área de impacto para DANÇAR BALÉ no meio do inferno de pontos coloridos mortais. Tem tudo quanto é gênero dentro do pacote – e com um visual fantástico ainda para os dias atuais que mistura gráficos em 2D e 3D, design de naves revolucionário, inimigos do tamanho da tela inteira (às vezes mais!) que levam a glória da vitória a níveis impensáveis, e uma história de ficção científica para os que estão interessados na narrativa e curtem umas cutscenes em desenho japonês. A parte legal da história é que ela acontece DURANTE o jogo (e a cutscene só na abertura), com os personagens conversando entre si, narração em off, os rostos dos personagens na tela, e você ali DESVIANDO DE MILHARES DE TIROS e matando chefes do tamanho de uma lua pequena no processo. É épico.
A influência de “Radiant Silvergun” não apenas mudou os jogos de nave para sempre (o maravilhoso “Sine Mora”, lançado recentemente para todas as plataformas, SUGA o que pode dos visuais e do uso da narrativa no meio do combate) mas também se faz sentir em uma série de criadores que focam na criação da mecânica e não de desafios de solução única – desde o pessoal que criou “Transistor”, de PS4 (cientes de que algumas estratégias eles não tinham como antever e só descobririam depois que os jogadores colocassem vídeos de suas jogatinas online) até Jonathan Blow, criador de “Braid”, e sua crença de que esse é o melhor modo de se fazer videogames. Depois de ter seu traseiro chutado por “Radiant Silvergun” e manter o sorriso, fica difícil alegar o contrário. Basta ver o vídeo abaixo, assistir embasbacado à estratégia empregada para vencer o jogo, e pensar: o que é que eu faria diferente?