Pinball Fantasies
Só depois de velho é que ouvi pela primeira vez o termo “arcade”. Quando era criança e ia a uma Playland da vida, eu estava indo ~jogar fliperama~. “Fliperama” era o termo que, no Brasil, designava qualquer jogo eletrônico não-caseiro. Mas na verdade é o nome de uma categoria bem específica – os jogos de pinball, munidos de rebatedores chamados de flippers. Nada de monitor e joystick: nos pinballs, toda a ação ocorre numa mesa com pinos e buracos, e seu herói é uma bola de metal.
É uma diversão bastante antiga. Dá pra dizer que o pinball nasceu na França de Luís 14, como um joguinho de bola-no-buraco chamado bagatelle. Seu formato atual foi criado nos EUA dos anos 1940, com a invenção dos icônicos flippers. De 1950 a 80 viveu-se a era de ouro dos fliperamas, até que os primeiros arcades de vídeo – “Space Invaders”, “Galaga”, “Pac-Man” – passassem a diminuir brutalmente seu espaço. Os fliperamas praticamente desapareceram e hoje são uma diversão de nicho, coisa de colecionador mesmo.
Curiosamente foi o videogame, causador de sua morte, que deu sobrevida ao pinball. Tão cedo quanto em 1980 foi lançado um jogo de fliperama para o Atari 2600, “Video Pinball“. O lendário launch lineup do Nintendinho americano, em 1985, já incluía um jogo de pinball (que tinha, em fases de bônus, Mario servindo de rebatedor). O Windows 95 trazia “Space Cadet“, um pinball, pré-instalado. O gênero manteve-se vivo através de dezenas de simuladores de fliperama disponíveis nas mais diversas plataformas. (Hoje existe um projeto sensacional que preserva mesas clássicas de várias épocas em versões virtuais, plenamente jogáveis. Vale a pena conhecer.)
Meu video pinball favorito de todos os tempos surgiu no Amiga, em 1992, criado por uma empresa sueca chamada Digital Illusions: “Pinball Fantasies”. Na verdade era uma continuação – o primeiro jogo da Digital Illusions tinha sido “Pinball Dreams” e o sucesso repentino obrigou os suecos a lançarem uma sequência poucos meses depois. Curiosidade: a Digital Illusions foi comprada, muitos anos depois, pela EA, e é responsável, até hoje, pela série “Battlefield”.
Conheci “Pinball Fantasies” no PC, graças a um modelo de negócios que marcou o início dos anos 90: o shareware. Até então jogos para computador eram iguais jogos para videogame – caixinhas vendidas em lojas. O advento das BBS (sistemas online pré-internet, nos quais um computador se conecta a outro via telefone) criou a troca de arquivos à distância e, com isso, a possibilidade de distribuir software em versão de demonstração, try before you buy. Hoje é banal e qualquer loja online de plataforma – Xbox Live, PSN, Steam, App Store, Google Play – tem demos jogáveis para baixar. Em 1992 era inovador.
Um publisher ficou especialmente ligado a jogos shareware: a Apogee, que distribuiu, com imenso sucesso, títulos como “Commander Keen” e “Wolfenstein 3D”. O “modelo Apogee” era simples: a versão baixável nas BBS tinha duas ou três fases jogáveis. Se quisesse mais, o jogador tinha que comprar a versão full pelo correio. Sim. MANDANDO UMA CARTINHA para a Apogee, como se ela fosse a Xuxa ou a Porta da Esperança. Os disquetes com o jogo completo chegavam em sua casa, geralmente com o manual e um livro de dicas. (Jogos mais modernos, como “Doom”, tinham serviço de compra por telefone, estilo os óculos Ambervision.)
“Pinball Fantasies” foi distribuído no modelo de shareware. Ele tinha quatro pinballs mas somente um estava disponível gratuitamente: o de parque de diversões, chamado “Party Land”. Já era mais que suficiente para impressionar. Além dos gráficos muito bonitos, “Pinball Fantasies” chamava a atenção pela qualidade das músicas. Eu me lembro que meu velho 486 não tinha placa de som e a música que saía do alto-falante embutido no computador, o infame PC speaker, era muito boa mesmo assim. MILAGROSO!
O nome do santo é MOD, o formato de som adotado por “Pinball Fantasies”, muito típico do Amiga e da demoscene europeia da época. Ao invés de serem simples anotações de altura, tempo e timbre – como os MIDIs -, arquivos de música MOD trazem em si pequenos samples de som gravado que podem ser tocados, modulados, combinados e sequenciados em tempo real. O formato dá aos compositores controle total sobre como sua música soa em diferentes computadores e plataformas, ao mesmo tempo em que possibilita arquivos pequenos.
Quem já ~craqueou~ um software para PC nos anos 90 vai se lembrar das telas elaboradas dos keygens, com gráficos ANSI e uma música putsputs tocando em loop. A música era, com toda a certeza, um MOD. Toda uma subcultura surgiu em torno de telas como essas, facilmente compartilháveis via BBS – chamadas de demos e intros, eram avidamente apreciadas pelos jovens europeus. Seus criadores se organizavam em grupos, quase gangues, de rivalidade acirrada (lembro da briga entre a ACiD e a iCE; bons tempos!).
Tergiverso. Voltemos a “Pinball Fantasies”! As outras três mesas, disponíveis só para quem pirateou comprou o jogo, são tão ou mais legais que “Party Land”. Tem a dos carros, “Speed Devils”, a da casa do terror, “Stones ‘n Bones”, e a minha predileta, a do programa de auditório de TV, “Billion Dollar Gameshow”. Cada mesa tem uma música e efeitos sonoros diferentes. As diferentes manobras – loops, buracos e alvos acertados, bumpers atingidos – geram diferentes reações do sistema de som e do painel dot matrix da parte inferior da tela, exatamente como nas máquinas reais. Aliás, os flippers são muito precisos e a física da bola, perfeita. Não fica nada devendo a um pinball real.
Apesar da mecânica geral de um fliperama ser simples – rebater bolas e atingir obstáculos -, os desenvolvedores sabiam envolver o jogador no clima da mesa. Isso se reflete em “Pinball Fantasies”. Todos os pinballs têm prêmios acumulativos enigmáticos. O jogador precisa ativar uma longa sequência de itens, descobrindo e realizando sequências malucas de manobras, até chegar ao prêmio máximo. É mais ou menos como resolver um puzzle de um adventure. O vídeo abaixo, por exemplo, ensina como ganhar 1 bilhão de dólares (no jogo! NO JOGO!):
É aí que reside o fascínio dos pinballs, na minha opinião: a incrível capacidade de abstração. Não há nenhuma corrida de carros em “Speed Devils”, por exemplo, mas a sensação da corrida é perfeitamente representada, de maneira simbólica, nos diversos objetivos que a mesa propõe. Vale lembrar que as únicas referências mais diretas são a ilustração de fundo e os efeitos sonoros. A ação em si é totalmente abstrata, de uma pureza euclidiana: uma bola que faz trajetos e acerta coisas. É como observar um quadro de Kandinsky ou Mondrian.
Agora pode confessar: aposto que você não imaginava que este post terminaria assim.