Die Hard Arcade
Lembra daquela cena no filme “Duro de Matar” (Die Hard, no original em inglês) em que o personagem John McClane enche de balas uma mulher de jaqueta de couro e salto alto? E aquela em que ele enfrenta um lutador de sumô, logo antes de derrotar duas aranhas mecânicas gigantes e um ninja no telhado? Não se lembra de nada disso? Então é porque o filme “Die Hard” não tem absolutamente nada a ver com o jogo “Die Hard Arcade”, a não ser a vontade safada de ganhar uns trocados.
Lançado nos arcades japoneses em 1997 com o nome “Dynamite Deka”, a intenção dos japoneses do AM1 (um dos estúdios internos da Sega) era fazer um jogo de ação com clima das bobagens hollywoodianas cheias de testosterona dos anos 80. Sem muito pudor, colocaram o personagem principal Bruno Delinger num prédio para combater terroristas (e, não sei o motivo, também alguns bombeiros) portando um modelo 3D que é a cara do ator Bruce Willis. A tática não é exatamente proibida e tem muito estúdio grande fazendo isso até hoje, mas quando o jogo foi lançado nos Estados Unidos preferiu-se (em parte por medo de um possível processo, em parte para pegar carona no sucesso cult do filme) associar o jogo à franquia cinematográfica. O resultado foi a mudança de nome do jogo para “Die Hard Arcade”, a mudança do nome do personagem para John McClane, e a experiência surreal de ver o filme ligado a um jogo com aranhas mecânicas. Basta poucos minutos de jogatina para perceber que filme e jogo são grotescamente distintos, o que deve ter frustrado alguns fãs mais radicais. Mas pra mim, pelo contrário, só adiciona mais uma camada de comicidade num jogo que já não se leva muito a sério desde o primeiro segundo, apelando para vários clichés de filmes de ação e com uma dublagem deliciosamente risível.
A única parte triste é que Die Hard Arcade não precisava se escorar em nenhuma franquia famosa, sendo fácil fácil o melhor beat ‘em up 3D que esse mundo já viu, mesmo que isso em si não queira dizer grandes coisas. O gênero definido por andar pelo cenário enchendo todo mundo de porrada e coletando armas para dar ainda mais porrada é classicamente 2D, com personagens em geral avançando da esquerda para a direita dizimando levas de inimigos com os próprios punhos e alguns porretes e tiros eventuais. Levar esse modelo consagrado para o mundo das três dimensões é notoriamente difícil, com muitos jogos tendo tropeçado vergonhosamente no processo, mas Die Hard Arcade conseguiu manter o que era essencial do gênero e esquivar com maestria de alguns buracos traiçoeiros. A principal dificuldade da transição para o 3D é que fica muito fácil errar golpes e tiros quando os personagens podem fazem movimentos de profundidade e girar em torno do próprio eixo, tornando a experiência altamente frustrante. Die Hard Arcade se safa disso permitindo que o personagem se desloque livremente mas só bata e atire para a direita ou para a esquerda da tela, como seria num jogo 2D. Essa aparente limitação acaba tornando o jogo muito mais acessível e divertido, fazendo do visual 3D um adendo, ao invés de uma complicação.
O resto do pacote é mais convencional, mas funciona muito bem como um todo e é cheio de detalhes bacanas: uma vasta e hilária gama de inimigos, muitos objetos do cenário para serem usados na pancadaria (destaque para o relógio carrilhão, aqueles enormes de parede), armas de fogo de vários tipos, as roupas dos personagens vão rasgando ou se perdendo durante os combates, e um monte de situações interferem nas lutas atingido tanto os personagens jogáveis quanto os inimigos, tais como um caminhão de bombeiros atirando água no cenário ou hélices que varrem a tela e precisam ser desviadas no meio da bagunça do combate. Vale lembrar que o jogo é ainda mais caótico por ser essencialmente multiplayer: embora seja difícil gerenciar a pancadaria na tela quando seu parceiro está disparando como quem não quer nada um lança-mísseis e a explosão te pega de rebarba, acredito ser verdadeiramente impossível terminar esse jogo sozinho. Principalmente porque o chefe final, o tal ninja de espada no telhado, é um daqueles odiados inimigos que tem o incrível poder de DEFENDER, o que nesse tipo de jogo já foi historicamente responsável por muitos controles que voaram por janelas. Por sorte, o jogo é curto o suficiente para que a frustração com qualquer inimigo ou chefe não te engula vivo, e dá pra fechar a coisa toda num punhado de sentadas com seu coleguinha.
Apesar de divertido pacas e de resistir muitíssimo bem à passagem do tempo (especialmente porque não se fazem mais jogos como esse hoje em dia), Die Hard Arcade entra para o seleto grupo dos jogos mais importantes de todos os tempos por um motivo bastante peculiar: foi o precursor da mecânica conhecida atualmente como QTE, ou Quick Time Events, amada por uns e fervorosamente odiada por outros.
Funciona assim: depois do jogador “limpar” os inimigos de uma sala, os personagens partem sozinhos para a próxima parte do prédio em uma animação 3D com vários ângulos de câmera (incluindo uma câmera em primeira pessoa bacanuda), mostrando sempre a correria para tentar salvar a filha do presidente (sim, esse é o mote da história). Mas ao invés de simplesmente assistir à essas animações, o jogador deve apertar alguns botões na hora certa para mudar o resultado da cena. Se no meio do corredor está um grupo de inimigos, o jogo pede que seja apertado imediatamente o botão de chute. Em caso de sucesso, o personagem dá uma voadora nível Katatê Kid que dizima o grupo de inimigos e o jogo segue para a próxima sala; em caso de falha, o personagem tromba com o grupo e aí é necessário jogar todo esse novo confronto. Dá pra sacar bem o esquema logo nos primeiros minutos de jogo:
Essa mecânica tenta misturar a parte cinematográfica, que estava ficando cada vez mais na moda nos video games no fim dos anos 90, com a jogabilidade dos jogos de ação. Ao apertar o botão certo, o jogo ainda faz questão de mostrar o seu sucesso com vários replays de inúmeros ângulos, no maior estilo replay de pegadinha do João Kléber. É pura ostentação dos gráficos 3D mesmo. O modelo foi depois aprimorado pelo jogo “Shenmue”, em 1999, e depois foi parar em grandes sucessos de público como “Resident Evil 4”, a série “God of War” e o “The Walking Dead” da Telltale. Pessoalmente, gosto muito da mecânica e acho uma ótima saída para as sequências cinematográficas que os videogames começaram a enfiar sem critério em qualquer historieta. Mas no “Die Hard Arcade”, não há qualquer história digna de ser contada, o que faz dos QTEs apenas mais um dos exageros que tornam a experiência tão deliciosamente brega. Exemplo final? Ao ser finalmente resgatada, a filha do presidente exige que seus salvadores lutem um contra o outro pelo direito de ser seu guarda-costas pessoal, com direito à filha do presidente torcendo o tempo no fundo (a garota quer ver sangue!), além do perdedor se debatendo no chão em prantos. Sério, fala a verdade: como não amar?