Pelé’s Soccer
Apita o árbitro: começa agora a primeira série temática do Pouco Pixel, a Futebit, em que pelejaremos com diversas encarnações digitais do futebolzinho nosso de cada dia. Sempre às segundas-feiras você encontrará por aqui um post novinho em folha da série que estiver rolando, então pelas próximas semanas pode calçar as chuteiras que vai ter muita bola no gol – ou ao menos um punhado de pixels que possam ser subjetivamente compreendidos como uma bola dentro de um gol, o que já está valendo. Pra começar, nada como falar do maior jogador de futebol de todos os tempos (chora, Argentina) e sua passagem estabanada pelo mundo do Atari.
Essa parceria inusitada aconteceu porque durante os anos 70 o multibilionário Steve Ross (então dono da Warner e futuramente dono também do conglomerado com a Time Magazine) estava decidido a popularizar duas coisas nos Estados Unidos: a primeira era os video games Atari; a segunda era o futebol. Mas não aquilo que os estadounidenses chamam de futebol, claro, que aquilo nem se joga com o pé e nem usa bola, já que bola oval não é bola por definição, oras. Sua intenção era difundir o nosso futebol, o que pra eles é o tal de “soccer”.
Pouca gente sabe, mas foi o dinheiro de Steve Ross que tornou o fenômeno Atari possível, com a popularização do Atari 2600 e a mensagem às famílias de todo o planeta de que estava tudo bem uma coisa se mover na sua tela quando você apertasse um botão. E foi esse mesmo dinheiro que tornou possível o famoso New York Cosmos, que em 1975 conseguiu colecionar alguns dos melhores jogadores de futebol da história da humanidade em seu elenco, como Giorgio Chinaglia, Franz Beckenbauer e Pelé. A ideia era simples: se um time com o Pelé não popularizar o futebol nos Estados Unidos, então dá-se o caso por perdido e condena-se os estadounidenses para sempre a jogar esportes com suas mãos.
Não demorou muito para Steve Ross juntar suas duas obsessões em uma só e colocar o Pelé para fazer propagandas de video game. Nesse comercial logo após a aposentadoria do rei, por exemplo, ele alega com um sorrisão na cara ter abandonado o futebol para jogar Atari, o que pra mim deveria deixar pais em pânico absoluto: o Maradona usava cocaína mas ao menos não abandonou sua carreira milionária; imagina que droga pesada deve ser esse tal de Atari!
Ainda assim, a tentativa de usar o Pelé para difundir o Atari e o Atari para difundir o futebol consolidou-se num dos primeiros oportunismos da indústria videogamística: o jogo “Championship Soccer” acabara de ser programado quando resolveram enfiar nele a cara e o nome do rei do futebol. Nasceu então o bacanudo “Pelé’s Soccer”, que de Pelé só tinha a cara na caixinha do jogo, e que de “soccer”, bem, só tinha uma leve inspiração. Inaugurou-se assim a tendência safada de associar nomes de estrelas a jogos de esporte mesmo que eles não tivessem absolutamente nada a ver com o produto final, do “Jennifer Capriati Tennis” ao “Madden NFL” que vende horrores até hoje.
Mas não deixemos que a cara feliz e possivelmente adicta do Pelé na capa ofusque os méritos do “Pelé’s Soccer” como joguete divertido e sofisticado. Embora haja a intenção de simular à época a experiência de uma partida de futebol profissional, o jogo não teme um visual inteiramente abstrato: jogadores não possuem figura humanoide (parecem mais pilhas deitadas, ou talvez alguns pandeiros vistos de lado), a bola é quadrada (para alegria do Quico), os bandeirinhas são apenas riscos horizontais que correm por fora do que poderia ser um gramado, e os jogadores de cada equipe são apenas três (o que permite escalações fantásticas como o Martelo, o Bigorna e o Estribo). Nesse visual minimalista, a experiência brilha através de detalhes como o placar da partida, um goleiro controlado pelo computador e até mesmo fogos de artifício para comemorar cada gol.
Os três jogadores de cada equipe são controlados ao mesmo tempo, em bloco, como se fossem algum time europeu muito obediente, mas a física da bola quadrada funciona bem o bastante para ser possível passar a bola de um jogador para o outro, tentando escapar dos três defensores que correm na sua direção. Na hora de finalizar é possível escolher o canto para chutar, tentando escapar do goleiro, o que já é bem mais avançado do que alguns jogos de futebol que sairiam muitos anos depois.
Essencialmente multiplayer, o jogo ainda hoje se sustenta para quem quiser um confronto com o coleguinha. Mesmo com os pequenos detalhes que tentam transmitir aquilo que os gringos imaginam ser futebol, os gráficos abstratos funcionam bastante bem se você tentar esquecer que se trata do esporte bretão e encarar a coisa toda apenas como alguns pixels coloridos tentando levar um pixel quadradão para dentro de uma caixa. O que no fundo é mais perto do esporte real do que gostaríamos de admitir.
As empreitadas amalgamadas de Steve Ross geraram ao menos um jogo bastante digno e divertido, mas a longo prazo tanto sua paixão pelo futebol quanto pelo Atari acabaram indo pelo ralo: a liga de futebol dos Estados Unidos virou farofa e a grana gasta com o Cosmos de Pelé não teve retorno; enquanto isso, Steve Ross pagou 25 milhões de dólares para o Steven Spielberg (ao invés de 1 milhão, como era de praxe na época) pelos direitos de fazer um jogo do filme E.T., e esse desastre a gente sabe bem que fim deu, com os cartuchos não vendidos daquela porcaria sendo enterrados em pleno deserto quando a Atari apontava para a falência e o Steve Ross tinha torrado sua grana em coisas super rentáveis como futebol. Ou seja: mesmo que muito indiretamente, podemos dizer que o Pelé teve alguma influência na falência do Atari e na consequente crise da indústria que quase apagou os video games do mapa. O que, vamos convir, é quase tão legal pro currículo quanto ganhar três Copas do Mundo, né. Fogos de artifício pra ele então, enquanto o árbitro aponta o centro de campo: segunda-feira que vem tem mais Futbit, pra delírio da torcida!