El Capitán Trueno
Três coisas que você não sabe: que a Espanha foi um produtor importante de videogames nos anos 80; que o principal personagem do HQ espanhol é um cavaleiro medieval meio Conan meio Príncipe Valente; e que trovão em castelhano não é trovón.
O quadrinho que o pessoal na Espanha avidamente acompanhava nos bicudos anos 1960 foi “El Capitán Trueno”, criação de Víctor Mora e Ambrós. A turminha do barulho formada pelo Capitão Trovão e seus amigos Crispín, Goliath e Sigrid, a loira, aprontava mil confusões e entrava em várias frias na Espanha do século 12. O personagem é querido em seu país até hoje – histórias regulares foram publicadas até 1968, mas edições especiais apareceram até bem recentemente; em 2011 chegou a ser lançado um filme. Acho que rola dizer que o Capitán Trueno está para a Espanha assim como a Mônica está para o Brasil.
Dada sua importância, é claro que o Capitán Trueno ganhou um videogame, lançado em 1989 pela maior produtora espanhola da época (e provavelmente de todos os tempos), a Dinamic, para os computadores de 8 bit populares na Europa.
Vale uma pausa aqui. O IBM PC, de 16 bit, foi lançado em 1981, mas era muito caro para ser um computador caseiro viável. Fora das empresas dominavam os sistemas de 8 bit, muito mais simples e baratos. Nos EUA, o Commodore 64 comia o mercado no café da manhã; no Japão, o rei era o MSX; a Inglaterra era o domínio do ZX Spectrum; na Europa continental o fodão era o Amstrad CPC.
(O ZX Spectrum você deve conhecer como TK, que era o nome do clone brasileiro. Dá pra dizer que ele liderou o complicado mercado nacional da época, com o MSX em um honroso segundo lugar.)
Essa divisão de mercado possibilitou a criação de pólos nacionais de criação de software, algo impensável no mundo globalizado de hoje. E a Espanha foi um dos exemplos mais interessantes. Centenas de jogos para os computadores de 8 bit foram produzidos por lá. Temas locais começaram a aparecer em games, desde personagens de ficção a esportistas e celebridades. Alguns títulos ultrapassaram fronteiras – o principal deles foi “La abadía del crimen”, da OperaSoft, aventura baseada em Umberto Eco (sem autorização… eram outros tempos).
Os jogos da Dinamic foram muito pirateados populares no Brasil. Não tinha usuário de MSX que não tinha em seus disquetes “Game Over”, “Phantis”, “Freddy Hardest”, “Army Moves”, “After the War”, “Michel Fútbol Master”… e “El Capitán Trueno”. Preciso confessar que acho a maioria dos títulos da Dinamic meio ruinzinhos. Basicamente se sustentam em loading screens chamativas e em gráficos semi-P&B de boa resolução. O payback de tanto esmero visual era a jogabilidade lenta, lentíssima, se arrastando no chão. Jogue Nintendo num televisor preto-e-branco, chapado de maconha, e você terá a ~experiência Dinamic~.
Mas “El Capitán Trueno” era melhor. Ele disfarçava a lentidão do gameplay com uma esperteza tática: você podia alternar livremente entre o Capitão (bom para matar inimigos), Crispín (o único que salta, escala paredes e sobe em cordas) e Goliath (que consegue derrubar paredes). Some-se isso ao mapa meio labiríntico, com idas-e-vindas à Metroid, e a ação deixa de ser crucial. Se o Capitão empunha sua espada em slow motion, nenhum problema; mais legal é tentar sacar quando vale a pena trocá-lo por outro cara da trupe.
As limitações das plataformas de 8 bit ficam claras – não há trilha sonora e o jogo completo dura menos de quinze minutos. Mas o personagem carismático, a engenhosidade das trocas de personagens e o fato de mostrar uma aventura com começo-meio-e-fim compensavam. Afinal, nem só de minigames vivia o micreiro dos anos 80!