H.E.R.O.
O Atari 2600 ficou malignizado pelo crash de 1983, mas é um console fascinante em que não cabia meio-termo. Para o 2600 foram feitos apenas dois tipos de jogos: os criados às pressas só pela grana; e as pérolas de puríssimo gameplay. Entre as obras-primas de simplicidade que somente o Atari era capaz de propiciar, minha favorita é “H.E.R.O.”, o PIXEL DAS GALÁXIAS desta semana. Merece? Ô se merece!
A sigla H.E.R.O. significa Helicopter Emergency Rescue Operation. No jogo, você controla uma espécie de super bombeiro que, vestindo uma mochila-helicóptero, entra numa mina com a missão de salvar trabalhadores que ficaram presos. (Alguém aí se lembra do que aconteceu no Chile há alguns anos?) Além de hélices, você tem à disposição óculos de raio laser e dinamites – para demolir paredes e também para matar os animais peçonhentos bizarros que infestam a mina.
Toda essa sofisticação entrega: “H.E.R.O.” é de 1984, já início da terceira geração. Tanto que ganhou muito rapidamente versões para os computadores de 8 bit que reinavam na época, como o Commodore 64, o ZX Spectrum e o MSX. Os ports são muito parecidos com o original do Atari, mas com um detalhe extra: as paredes têm texturas que fazem o cenário ser mais parecido com uma caverna do que com uma repartição pública.
“H.E.R.O.”, como típico de sua época, é um jogo que se desenvolve tela-a-tela. Não é um scroller como “Super Mario Bros.“. A originalidade está na progressão, que na maioria das vezes é vertical, de cima pra baixo – afinal, estamos entrando cada vez mais fundo na mina (epa!). Também é possível subir e voltar a alguma tela anterior, para refazer um caminho errado. Daria para resumir “H.E.R.O.” como um labirinto vertical em que dinamitamos paredes.
Mas não é só isso. O estoque de dinamites é exíguo e o personagem tem um suprimento limitado de energia, consumida mais rapidamente com o uso do laser. Em algumas telas a caverna é iluminada por uma espécie de lamparina. Se você tocá-la, a luz apaga e a única alternativa é encontrar o caminho no escuro absoluto (dica: as dinamites podem iluminar temporariamente uma área). Em outras telas as paredes normais são substituídas por paredes de lava, que não podem ser tocadas. Em algumas outras, não há chão, mas água – e daí o helicóptero é especialmente útil.
Com esse mínimo de variáveis, “H.E.R.O.” constrói uma jogabilidade perfeita, completa. Acabaram os dinamites? O laser também destrói paredes, mas diminui o tempo disponível para terminar a fase. Uma barreira que precisa ser implodida num precipício estreito acima da água? O helicóptero está aí para isso. Dois caminhos, um com lamparina e outro sem? De repente escolher o caminho que mantém o ambiente aceso pode ser uma boa. Mas e se isso exigir o uso de uma dinamite extra? São dilemas que precisam ser resolvidos rapidamente pelo jogador – afinal, a energia não pára de se consumir.
A partir de uma premissa muito simples e pouquíssimos ingredientes, “H.E.R.O.” entrega desafio crescente, que exige cada vez mais reflexos e planejamento. Com pouco pixel ou com muito pixel, é de grande gameplay que as lendas da história do videogame são feitas – e “H.E.R.O.” é uma das maiores.
(A cada semana, um jogo fantabulástico recebe o PIXEL DAS GALÁXIAS, a mais desejada honraria nacional depois do título de Maior Brasileiro de Todos os Tempos.)
A criatura sobrepuja o criador
“H.E.R.O.” foi lançado pela Activision, uma das empresas mais emblemáticas da história dos videogames. Até sua fundação, em 1979, jogos só eram publicados pelos fabricantes dos consoles – os jogos é que traziam o dinheiro, na verdade. A única produtora de games para o Atari 2600, por exemplo, era a própria Atari. Mas quatro dos melhores programadores da Atari estavam descontentes com o tratamento dado a eles pela empresa. Queriam ganhar royalties por seu trabalho, que não era sequer creditado. Não foram nem ouvidos, saíram da companhia e abriram a Activision.
Foi ela que produziu alguns dos títulos mais célebres do 2600, como “Pitfall!”, “Keystone Kapers”, “Enduro” e “River Raid”. O sucesso fez a Atari ficar putinha e botar a Activision na Justiça. Perdeu. O resultado todos conhecemos: a Atari não existe mais e a Activision segue vivona da silva, lançando uns quinze “Call of Duty” por semestre.
Todos os cartuchos da Activision incluíam o nome do criador na capa e uma página sobre o profissional no manual do jogo, dando um caráter autoral bastante raro no mundo dos videogames. “H.E.R.O.” foi criado por John Van Ryzin, que não participou do projeto de nenhum outro game de sucesso. Mas você pode ser amigo dele mesmo assim. Obrigado, John!