The Simpsons: Bart vs. the Space Mutants
Existem três tipos de jogos: os fáceis, os difíceis e os de walkthrough. Os da terceira categoria são os mais desleais. Neles, não adianta o quanto você treine, não interessa o quanto você seja rápido ou hábil ou inteligente ou sortudo, você simplesmente não vai conseguir avançar sem um guia. Geralmente jogos assim travam em partes específicas cujas soluções não fazem sentido ou são extremamente obscuras. São mais que foda pacarai, são fisdaputa mesmo.
Muito do apelo das revistas de videogame em eras pré-internet residiam nos walkthrough que salvavam a pele dos jogadores mundo afora. (E era a própria Nintendo que publicava a revista “Nintendo Power”… ops, CONSPIRACY ALERT.) Foi uma revista brasileira, a “VideoGame”, que me permitiu jogar “The Simpsons: Bart vs. The Space Mutants”, do Nintendinho – sem o guia da “VideoGame”, não conseguiria passar da lendária primeira fase. Nem adianta tentar me convencer de que os puzzles do início do jogo podem ser resolvidos sem ajuda. Não vou acreditar.
“Bart vs. The Space Mutants” foi o primeiro videogame dos Simpsons e uma das primeiras grandes franquias a ganhar um jogo, digamos, triple A. Foi um enorme sucesso e gerou um sem-número de continuações. Provavelmente “Os Simpsons” são a licença mais comum da história dos jogos: mais de 30 só contando títulos. Se contarmos ports, a conta fica infinita. Só “Bart vs. The Space Mutants” teve oito versões: para consoles, portáteis, computadores…!
O plot de “Space Mutants” envolve alienígenas em busca da dominação do planeta. Bart consegue sacar o plano dos ETs, mas como ninguém acredita nele, acaba assumindo a tarefa sozinho. Sorte dele que os tais mutantes espaciais são bem trouxas: ao invés de simplesmente chegarem à Terra e assumirem a bagaça, eles ficam constantemente construindo uma super arma fodástica que exige ingredientes especiais para funcionar. O jogo se desenrola nas diversas tentativas dos aliens de construírem a arma, cada vez com requisitos diferentes, que Bart deve eliminar ou esconder.
Em outras palavras: “Bart vs. The Space Mutants” é uma gincana, na qual os alienígenas são os recreadores e Bart é o único competidor. O objetivo da primeira fase, por exemplo, é eliminar todos os objetos roxos da cidade, alterando sua cor. Arma principal: spray de tinta vermelha. Mas daí que começa a sacanagem. Ao contrário do que o jogo nos faz crer, nem todos os objetos roxos da cidade podem ser pintados com o spray.
- O pássaro roxo deve ser espantado da gaiola com uma bombinha;
- O toldo roxo deve ser pintado de vermelho não com o spray, mas derrubando um balde de tinta com uma bolinha;
- O luminoso do boliche é roxo quando apagado. Para acendê-lo, solte um rojão (!) nele;
- Alguns objetos roxos que estão embaixo de um varal não devem ser pintados, mas sim cobertos com toalhas brancas;
- Um outro toldo roxo, recém-pintado, deve ser lavado abrindo-se o hidrante da calçada à sua frente;
- Cortinas roxas do asilo devem ser recolhidas atirando-se rojões nelas;
- O mesmo deve ser feito para assustar um pássaro roxo que está pousado sobre a estátua do fundador de Springfield;
- Um policial de uniforme roxo (!) só surge para ser pichado (!!) quando Bart entra num gramado, perto da placa “Não pise na grama”;
- De maneira similar, Bart pode passar um trote para o bar do Moe, que fica bravo, sai pra rua (!), veste roxo e pode ser pichado.
É inventivo, mas absurdamente incoerente e impossível de descobrir sem ler o livro oficial de estratégias, vendido separadamente por 20 dólares. Se Bart pode pintar o policial, porque não pode pichar o toldo ou os objetos do varal? Mais ainda: rojões e bombinhas devem ser comprados nas lojas da cidade, e não há indicação clara de que você pode entrar nelas e – mais ainda – os itens que são oferecidos parecem arbitrários. Pensa comigo, você tem um spray para pintar coisas roxas e a loja te oferece ímãs, apitos, rojões e bombinhas. Como saber o que comprar e em qual quantidade? Não faz sentido.
Estou comentando somente o básico para cumprir a missão. Se pensarmos nas coisas escondidas que ajudam o jogador, a lista vai longe. Por exemplo: se Bart comprar e usar o apito na frente do asilo, vovô Simpson irá jogar moedas para o neto. Como adivinhar isso sem a “Nintendo Power”? Parece claramente que a Acclaim imaginava dar a “Bart vs. The Space Mutants” (ou pelo menos a essa primeira fase) um quê de point-and-click adventure, como os da Sierra, com essa jogabilidade de conseguir itens e uni-los para resolver problemas. Mas o resultado é, no mínimo, incoerente.
Essa é só o primeiro estágio. O que teve de jogador que nunca conseguiu passar dele não está no gibi. E sabe o que é pior? As etapas seguintes não seguem o mesmo modelo, com puzzles – o jogo se transforma em um desafio de plataformas tradicional e muito, muito difícil. Na segunda fase, os alienígenas precisam de chapéus e Bart corre ao shopping roubar todos os que encontrar, na cabeça das pessoas, no chão, flutuando no ar (!) ou escondidos em latas de lixo (!!). Nada de coleta e combinação de itens, apenas abismos, saltos impossíveis e raiva devido a controles imprecisos.
As fases seguintes – parque de diversões e museu de história natural – seguem no modelo plataforma. Apenas a última fase, que se passa na usina nuclear, muda um pouco o gameplay. Aqui trata-se de um labirinto bastante irritante de portas e elevadores, com um final inesperado. Você tem que coletar 16 cilindros radioativos espalhados pela usina e colocar no reator. Depois de conseguir 15… cadê o décimo-sexto? Bom, melhor consultar a revista. Veja lá: o último está, na verdade, com a Maggie, que por algum motivo está na usina. Leve a irmãzinha para o reator (!) e, feito, INTERVENÇÃO ALIENÍGENA debelada.
Tenho mixed feelings por “Bart vs. The Space Mutants”. Ao mesmo tempo em que ele propõe algo novo e interessante – a primeira fase nas ruas -, ele joga tudo fora com uma execução problemática – na mesma fase – e esquece totalmente o que queria fazer nas demais. Acabou virando um jogo cheio de boas intenções, mas virtualmente QUEBRADO e sempre dependente de um guia de estratégia.
Mas o pior problema é mesmo a musiquinha de fundo em loop. Ô deus.