Megamania
Por muito tempo a imaginação do jogador foi um componente tão importante quanto o videogame em si. Os jogos de Atari 2600 são clássicos nesse sentido. Um quadrado se movendo entre dois retângulos: tênis! Um quadrado, uma seta e uma circunferência: um cavaleiro matando um dragão! Hambúrgueres, gravatas borboletas e dados flutuando no espaço: uma épica batalha espacial contra poderosas e bizarras naves de civilizações alienígenas!
Não. São mesmo hambúrgueres, gravatas borboletas e dados (“dados espaciais”, ainda por cima). Atenção, júri, para a entrada das provas.
EVIDÊNCIA 1
EVIDÊNCIA 2
Sinto informar, mas “Megamania”, mais um da extensa lista de clássicos da Activision, é menos sobre incríveis guerras cósmicas e mais sobre delírios lisérgicos com banais objetos do cotidiano. Atenção, meritíssimo, para a terceira prova:
EVIDÊNCIA 3
Steve Cartwright, o criador de “Megamania”, merece ser coroado como o REI DO MINDFUCK. Acompanha comigo no replay: 1. no Atari, uma nave espacial geralmente é representada por três pixels que se parecem muito mais com um pão com salsicha do que com uma nave; 2. então os jogadores se acostumaram a ignorar o que está na tela e usar a imaginação para ver além do alcance; 3. aparece um sanduba na tela, e o jogador imagina que, claro, não é um sanduba, é uma super nave inimiga; 4. mas o inimigo a ser derrotado é mesmo um SANDUBA.
Data venia, cito um trecho do impagável manual de “Megamania” para reforçar:
EVIDÊNCIA 4
Se você acha que “Megamania” é apenas mais um jogo espacial, você está sonhando. E esse sonho irá se tornar um pesadelo. Um pesadelo espacial. Então prepare-se para uma das mais irreais experiências que você jamais terá.
“Apenas mais um jogo espacial”: a Activision deliberadamente transformou um yet another “Space Invaders” clone em um jogo com identidade própria, somente na base da ironia e da autorreferência. É coisa de GÊNIO.
À guisa de conclusão, excelentíssimos membros do júri, a prova que reputo definitiva:
EVIDÊNCIA 5
Atenção para o início do jingle:
Mega! Megamania, Megamania!
Vai te deixar maluco.
“Vai te deixar maluco”! Taí a confissão de deliberado MINDFUCK, feita em forma de rock chiclete dos anos 80. Caso encerrado.
Se não bastasse, “Megamania” é um baita de um jogo, diga-se de passagem. À parte toda a maluquice de se atirar em bolachas e ferros de passar roupa, “Megamania” não revoluciona a jogabilidade consagrada de “Space Invaders”, “Galaga” e “Galaxian”, os super arcades da época. Ele respeita todas as convenções. O lance é que ele atinge o ápice do gênero. Os inimigos se movimentam em padrões muito difíceis de memorizar, de um jeito que parece realmente orgânico. A barra de energia que não para de diminuir (como em “H.E.R.O.“) impede que o jogador adote uma tática defensiva – ele é obrigado a ir pra cima dos invasores rapidamente, pois tem pouco tempo para matar todos. E a limitação dos movimentos da nave – que só anda horizontalmente – a torna presa fácil para inimigos que andam em todas as direções e podem atravessar a tela.
O jogo é difícil, mas cuidadosamente programado para oferecer um desafio justo e crescente. Por isso há certa unanimidade entre os críticos: “Megamania” é um dos jogos mais bem produzidos da biblioteca do Atari 2600. Para um console que tanto sofreu com jogos feitos nas coxas, é um oásis de cuidado e perfeição. Mesmo querendo deixar o jogador maluco.