Sunset Riders
A colonização tardia do oeste dos Estados Unidos, entre os séculos 18 e 19, evoca uma série de temas bem caros para os americanos: individualismo, liberdade, coragem e armas, muitas armas. Por isso o Velho Oeste tornou-se assunto frequente de filmes, livros, séries de TV, quadrinhos… e videogames.
O primeiro jogo de faroeste que se tem notícia é um simulador para Apple II chamado “The Oregon Trail”, de 1974. É um game educacional, criado pelo governo de Minnesota para mostrar aos estudantes a vida dura dos pioneiros do século 19. “The Oregon Trail” foi um dos jogos que se beneficiou de uma política pública – espalhou-se rapidamente das escolas de Minnesota para os computadores de todo o país. Ganhou sequências e até hoje vive em versões para celulares Android e iPhone.
O segundo jogo de faroeste que fez fama foi “Outlaw”, para o Atari 2600. Ele não é nada educativo: é a versão eletrônica de um duelo, e nada mais. Mas engana-se quem imagina um duelo cara-a-cara, vencido pelo gatilho mais rápido e mais preciso. “Outlaw” está mais para uma batalha campal entre dois deuses imortais, que acertam dezenas tiros no inimigo por esporte. OK.
Muito mais interessante era um jogo da Sega para arcade, “Bank Panic”, um 1st person shooter em que o objetivo era eliminar todos os assaltantes que iam entrando em um banco. Abria a porta e – BANG – tiro na cara do meliante, no melhor estilo Telhada de ser. Mas às vezes a porta não revelava um bandido, às vezes era somente um ~cidadão de bem~ que queria fazer um depósito. Moral da história: melhor olhar antes de atirar.
Se no cinema teve o Western spaghetti, se nos quadrinhos teve o Tex, nos games rolou muito nipowestern. Talvez “Bank Panic” tenha sido o primeiro deles. Depois teve outro, “Gun.Smoke”, um clássico da Capcom para o Nintendinho (mas deste falaremos outro dia!). Enquanto japoneses faziam bons games de faroeste, americanos da gema cometeram “Mad Dog McCree”, um arcade de tiro em primeira pessoa com atores filmados – atirar neles e interromper suas atuações pra lá de canastronas era um alívio. “Mad Dog McCree” é tão ruim, mas tão ruim, que dá a volta e fica bom. Só que não.
Entre a cafonice de “Mad Dog McCree” e a genalidade da série “Red Dead”, da Rockstar, há o terceiro grande nipowestern: “Sunset Riders”, da Konami. Nasceu em 1991 como um arcade, mais um da extensa linha de montagem de run and guns da produtora japonesa. O lance era industrial de verdade: os jogos eram lançados às dúzias e em geral não passavam de reciclagens da mesma engine com roupagens diferentes. O motor de “Sunset Riders” deu origem, por exemplo, a “Mystic Warriors”, um jogo de ninjas (!) atiradores (!!) do futuro (!!!). Enfim.
Como todo arcade, “Sunset Riders” foi criado para matar – quer dizer, para fazer o jogador gastar muitas fichas. É bala pra todo lado e o fato do personagem que você controla ser grandão não ajuda muito. Além disso, ele não tem resistência nenhuma: um tirinho e babau, adeus vida, adeus ficha, INSERT COIN. Quando “Sunset Riders” ganhou versões para consoles manteve a dificuldade como pilar. Foda pacarai? Quase.
A jogabilidade é meio híbrida, na verdade: mistura a chuva de balas de run and guns clássicos como “Contra” e a visão mais próxima, detalhada, de brawlers como “Teenage Mutant Ninja Turtles”. (Não escolhi jogos da Konami por acaso – ela realmente manjava do que estava fazendo.) Como nos famosos jogos de luta de rua, em “Sunset Riders” o jogador pode escolher seu personagem, cada um com cores e características ligeiramente diferentes. As opções aqui são quatro: Steve e Billy, armados de pistolas, e Bob e Cormano, munidos de fuzis.
Cormano, o personagem mais emblemático, é o primeiro estereótipo do jogo: ele é o mexicano da turma. Que turma de faroeste não tem um mexicano? O segundo lugar-comum é o objetivo dos heróis: pegar a recompensa ao matar ou capturar um bandido procurado. Não precisa de mais história que isso. O que seria dos westerns sem os cartazes de WANTED?
Como todo bom beat’em ups, antes de chegar no bandidão de cada fase é necessário matar aproximadamente 15.632 capangas que estão no caminho – haja bucha de canhão. E, como nos melhores bullet hells, em “Sunset Riders” é possível fazer o personagem progredir: entre no saloon, beije a menininha e sua arma vai passar a atirar imensas balas rosas super poderosas. Só não tome um tiro, pois ao morrer todos os power ups são perdidos.
Característica muito clássica da série “Contra” está refletida aqui: a profundidade do cenário é em camadas. Ao invés de um ambiente de movimentação livre, como nos jogos de pancadaria, “Sunset Riders” oferece para o jogador dois “trilhos” para ele andar – a rua ou as janelas das casas, a estrada ou o trem, o piso do saloon ou o candelabro etc. Atirar, portanto, é uma ação em 360 graus: mire pra frente, pros lados, pra cima, pra baixo, porque você vai precisar!
O port mais famoso de “Sunset Riders” saiu para Super Nintendo em 1993. Ao contrário da versão para Mega Drive, que foi alterada até não poder mais, a versão do SNES é bastante fiel ao arcade. Com algumas nintendadas, porém. As roupas das dançarinas do saloon são um bocado mais recatadas, as falas dos vilões ao final de cada estágio foram suavizadas e diversos inimigos regulares foram substituídos – nada de atirar em cachorros, mulheres e índios.
Não vimos arcade de “Sunset Riders” aqui no Brasil, mas, em compensação, a versão do Super Nintendo fez muito sucesso. Até hoje é um dos jogos mais queridos dos brasileiros. O motivo? Não sei se tem a ver com pirataria, como no caso de “Top Gear“. Acho que tem mais a ver com o fato de ser um jogo de faroeste em uma época em que o tema era bastante raro. Méritos para Konami, que foi SAGAZ: mais um jogo de brucutu-de-faixa-na-testa atirando em robôs? Mais um jogo de punks se estapeando em becos sujos e trilhos do metrô? Mais um jogo de super-heróis-de-spandex-colorido voando pelo espaço? Que tal o mesmo jogo, só que vestido de cowboy?
Deu super certo. O truque transformou um game muito divertido, mas até certo ponto bastante comum, em lenda.