International Superstar Soccer
Mais uma segunda, mais um jogo em nossa série FUTEBIT, com os principais jogos de futebol em baixíssima resolução. Dessa vez, exploramos a tradição da Konami com jogos de futebol e sua estreia nos 16-bits com “International Superstar Soccer”, versão internacional do jogo conhecido bregamente no Japão como “Fighting Eleven” (os Onze Lutadores). O jogo era a resposta da Konami ao “FIFA International Soccer” lançado alguns meses antes e tentava trazer várias de suas inovações, além de novas ideias – incluindo várias que se tornariam para sempre marca da série até hoje, nos “Pro Evolution Soccer” da vida.
Assim como no jogo rival, “International Superstar Soccer” não tinha qualquer licenciamento com jogadores reais de futebol, mas isso não impediu que a Konami tentasse copiar a aparência de algumas das principais estrelas da época, com a cabeleira de Carlos Valderrama ou as trancinhas jedi de Roberto Baggio. Isso já colocava o jogo em um outro grau de realismo: a possibilidade de diferentes aparências para os jogadores, números nas camisetas, as habilidades de cada jogador definidas em valores customizáveis, tudo ajudava a aproximar a experiência virtual e os atletas da vida real. O lendário Allejo, por exemplo, que é o grande craque da seleção brasileira do jogo, era para ser o Bebeto do mundo real. Mas na hora de escolher as habilidades algum japonês por aí estava se sentindo GENEROSO e caprichou nas barrinhas. Janco Tianno, de FIFA, era um gênio; já Allejo era uma aberração estatística, um descuido do estagiário. Não tinha nem graça.
Era essa possibilidade de cada jogador ter uma aparência exclusiva e seu estilo de jogo ser definido por números e gráficos que podiam ser modificados à vontade que deu origem a um movimento que continua até hoje com força total nos jogos de futebol da Konami: a comunidade de modders, uma galera que se dedica a alterar o jogo. As ferramentas para customizar os atletas e os times sempre faziam parte do pacote, sendo estimuladas pela Konami ao invés de coibidas. Isso sempre garantiu, ao longo da história da franquia, que mesmo quando todas as licenças fossem pelo ralo existiriam fãs apaixonados dispostos a construir cada uniforme, rosto e tática de jogo das equipes reais.
Ainda na época do Super Nintendo, essas ferramentas foram usadas ao ponto de transformar aquele jogo sem licenciamentos em uma versão fiel do Campeonato Brasileiro, com direito a nomes reais dos times e dos jogadores. Sensação do Campeonato Brasileiro do ano anterior, o melhor jogador da versão adulterada chamada de “Futebol Brasileiro 96” era o Giovani, do Santos, com direito ao seu cabelo vermelho e tudo. Essa versão modificada no quintal da casa de alguém era amplamente vendida nos camelôs da época, e diz a lenda que o mesmo acontecia com versões locais na Argentina, na Colômbia e no Peru. Talvez isso explique o motivo do “Futebol Brasileiro 96” ter uma narração hilariante em portunhol, com comentários como “¡que lindo!” – provavelmente as partes de voz recriadas para as versões piratas foram reaproveitadas em diversos países da região.
Essas possibilidades de ir alterando o jogo continuamente e acrescentando conteúdo deram muita longevidade ao “International Superstar Soccer” em uma época em que comprar um jogo de esporte por ano estava longe de ser uma prática comum. Consigo imaginar os pais perguntando para seus filhos: “por que vou te comprar outro jogo de futebol se você já tem um?” Pois é, outros tempos. Jogo era pensado pra durar toda uma geração. Ainda assim, até mesmo a Konami lançou uma versão melhorada do jogo no mesmo ano do original, dado o sucesso do título. Chamada de “International Superstar Soccer Deluxe”, a versão era melhor mesmo, mas inaugurou essa tendência de vender adendos sutis a preços gordos.
As ferramentas de customização interna do jogo também garantiam que a série da Konami fosse uma experiência muito mais nerd do que qualquer outro jogo de futebol concorrente, e essa característica até hoje faz parte da identidade de “Pro Evolution Soccer”, que é seu descendente direto. Antes mesmo do jogo começar era possível gastar horas e horas mudando escalações, formações, posicionamento em campo, táticas de ataque e de defesa, números individuais dos jogadores. Um nerd de futebol legítimo só iria descobrir que a jogabilidade do título não era lá essas coisas muitas horas depois de ter ligado seu cartucho pela primeira vez, algo muito diferente da experiência ligar-e-jogar de “FIFA International Soccer”. Ainda hoje, nas novas gerações, “PES” garante longos e intermináveis minutos antes de cada partida online começar para que os adversários customizem cada pequeno detalhe de suas estratégias, e o mesmo se repete nos intervalos entre cada tempo. Desde o surgimento da série no Super Nintendo, brincar com a parte tática, com a customização das equipes e eventualmente até criar novas versões do jogo e vendê-las no mercado negro com um portunhol de gosto duvidoso sempre foram a parte mais charmosa da brincadeira.
Na hora de jogar pra valer, “International Superstar Soccer” era bem avançado perto dos concorrentes, mas ainda assim tinha uma série de limitações. Se “FIFA” era como jogar pebolim anti-gravitacional no escuro, “International” era como jogar PING-PONG MÍOPE NA NEBLINA, porque o fim da tela está sempre muito perto do jogador que está com a bola e portanto fazer um passe para frente é sempre um ato de fé, de esperança e de ACASO, porque não dá pra ter certeza de quem estará lá para receber. Esse é provavelmente o motivo do jogo ter popularizado o uso do radarzinho que fica na parte de baixo da tela, afinal se eu não conseguisse enxergar a mais de dois braços de distância em meio à neblina eu também não sairia de casa sem meu radar particular. Fora isso, o jogo tem goleiros espetaculares que fazem o ato de chutar a gol virar uma verdadeira partida de tênis de mesa, com gols saindo lá pelo décimo rebote, em geral num chute de bicicleta. E ainda assim “International Superstar Soccer” conseguia ter jogadas mais parecidas com o futebol de verdade do que qualquer outro até então, com trocas de passe rápidas, dribles, inversões, e uma grande ênfase em cruzamentos. Era o que tinha de mais realista quando se tratava do nobre esporte bretão.
Quer dizer, isso até o momento em que alguém resolvesse cobrar um lateral para um jogador que estivesse posicionado fora do campo, porque aí o jogo virava TERRA DE NINGUÉM. É como se todo o cuidado do jogo com realismo não pudesse suportar a imbecilidade de um lateral cobrado para fora do campo e aí todas as regras do JOGO e da FÍSICA dissolvessem num desastre espaço-temporal de proporções cósmicas. Basicamente o jogador que recebe o lateral fora do campo (em geral seu próprio goleiro, se você colocar os comandos dele no manual) pode correr pela lateral do gramado, ali onde fica a PISTA DE ATLETISMO, ir parar atrás do gol e aí toda vez que a bola toca na rede pelo lado de fora o placar conta um gol – mas o jogo não para, o juiz não apita, e vários gols são contados um atrás do outro enquanto a bola atravessa a rede sem qualquer razão aparente. O processo todo é bastante instável, o marcador só contabiliza todos os gols quando a bola finalmente é chutada, e até lá é possível fazer várias faltas, atacar o goleiro dentro do seu próprio gol, contundir os jogadores adversários, e no final dessa GUERRA CONTRA O BOM SENSO o placar contabiliza no máximo 99 gols e tudo volta ao normal como se nada tivesse saído dos moldes. Quer dizer, a não ser que você tenha usado o famoso código Konami na tela de start, porque aí o juiz e os bandeirinhas terão sido trocados por CACHORROS. Porque o jogo mais nerd e realista de futebol da época precisava ter sua loucura nipônica vazando para algum lugar. ¡Que bonito! Segunda que vem tem mais, pra fechar a série Futebit em clima de Copa do Mundo!