Adventure
“Colossal Cave Adventure”, programado em 1976 por Will Crowther só porque ele achou que seria legal, é o responsável pelo gênero “adventure” nos videogames. Nele, a aventura se dá explorando cenários e interagindo com diferentes itens através de comandos de texto: “mate o dragão”, “vá para o Norte”, “pegue a tocha”, “vá empilhar coquinho na descida”, etc. O jogo teve orgulhosamente dois filhotes distintos, mas parecidos entre si: um deles é todo o gênero de adventures gráficos, como os da Sierra On-Line (de “Leisure Suit Larry“, ainda com comandos de texto) e da LucasArts (já com comandos de aponte-e-clique); o outro é todo o gênero de adventures de ação, em que os comandos são dados em tempo real com um controle de videogames convencional. Em comum, essa família possui o foco na exploração de diferentes cenários, uso de inventário, e pouca ou nenhuma ênfase no combate com inimigos.
O filhote que inaugurou o gênero action-adventure foi o jogo “Adventure” da Atari (aliás, se ele chamasse “Action-Adventure” ajudaria muito os catalogadores do futuro, fica a dica). O programador Warren Robinett estava decidido em 1980 a criar uma versão de “Colossal Cave Adventure” para o Atari 2600 que fosse igualzinha ao jogo original, mas sem textos, sem teclado, e num console que tinha dificuldades de fazer dois pixeis se moverem ao mesmo tempo. Ou seja: ficou idêntico mesmo, só que não.
O projeto levou cerca de um ano para ficar pronto, muito mais do que era comum na época graças à complexidade da empreitada. Para criar o mundo a ser explorado foram necessárias 30 telas diferentes, todas compondo cenários distintos interligados entre si, o suficiente para que seja uma boa ideia jogar com lápis e papel do lado, desenhando o mapa e fazendo anotações. Tá, eu sei que teu “GTA” aí tem um mundo oito bilhões de vezes maior e você nunca teve que ficar desenhando mapinha, mas também sei que você joga “GTA” só olhando lá em cima no GPS porque quer vida mansa. “Adventure”, pelo contrário, não tem facilidades: é adventure-raiz, adventure-moleque. Se não anotar onde estão os itens que você deixou para trás (só é possível carregar um de cada vez), vira bagunça na certa.
Todo o conceito da coisa é bem simples: é preciso devolver o cálice perdido para o castelo, e para isso o jogador deve encontrar vários itens e usá-los nos lugares certos. São basicamente chaves para abrir portas de outros castelos, uma ponte para atravessar barreiras, um ímã para atrair outros objetos e uma espada para matar os dragões quando possível. Basta usar a coisa certa no lugar certo e pronto, fim de jogo. Uma aula simples de lógica para crianças, e um daqueles raros jogos de Atari com começo, meio e fim.
Mas o lance verdadeiramente genial da coisa é o toque de aleatoriedade: três dragões protegem os itens presentes no jogo e engolem o aventureiro caso ele se aproxime. Esses dragões perseguem o jogador, mudam de posição constantemente, uns são mais rápidos ou mais agressivos do que outros, um deles tem cagaço da chave dourada e foge dela (super normal, quem nunca?) e levando tudo isso em consideração é necessário criar uma estratégia para conseguir enganá-los – e um mínimo de habilidade para, quando de posse da espada, conseguir exterminá-los.
Mas espere um pouco, não ligue ainda, tem mais aleatoriedade para você do que simples dragões com fobias duvidosas! O jogo também tem o fantástico MORCEGO, o primeiro TROLL CONVICTO da história dos videogames. Ele simplesmente voa de um lado para o outro nas 30 telas pegando um item que você deixou pra trás e levando com ele, soltando apenas para pegar um outro item que você deixou pra trás. Basicamente ele está lá para misturar a localização de todos os seus itens o tempo inteiro, e o que ele ganha com isso? Apenas o deleite de ser um dos mais ODIÁVEIS pixeis já criados pela humanidade.
Pra quem não aguenta o tranco e acha que de aleatório já basta nossa diminuta posição cósmica nesse imenso universo, o jogo oferece diferentes graus de dificuldade. No primeiro, que eu chamo de “modo mamata”, o mundo é um lugar melhor no qual viver porque O MORCEGO NÃO EXISTE, além dos itens começarem sempre a jogatina nos mesmos lugares, e algumas telas mais difíceis e um dos dragões também serem deixados de lado. Nesse modo de jogo, quem é fodão consegue terminar A AVENTURA em 30 segundos, saca só:
Um grau acima temos o jogo ~como ele deve ser jogado~, em que os itens começam sempre no mesmo lugar mas o mundo possui todos os dragões, os labirintos, os castelos e O MORCEGO MALDITO, que vai pegar a localização inicial dos itens e foder com tudo. E pra quem gosta de tomar surra de bambu, tem também o que eu chamo de “modo sadomasô”, em que os itens começam o jogo em lugares aleatórios. É tão hardcore, mas tão hardcore, que em geral os itens começam em disposições que na prática impedem o jogo de ser terminado. Pensa nisso: um modo de dificuldade tão ultra que não dá pra vencer o jogo não importa o que você faça, que é pra criar caráter.
Warren Robinett era um gênio, precursor de todo um sub-gênero, responsável por levar os adventures para a massa, para os consoles e para os iletrados. Mas sabe o que ele assumidamente não era? Bom desenhista. “Adventure” é um exercício constante de imaginação: o quadrado é pra ser o aventureiro, a seta é pra ser uma espada, o pato gordo é pra ser um dragão, o diabo é na verdade o cálice, e o amontoado de pixeis pretos randômicos é O MORCEGO. Parte disso é limitação da tecnologia, que precisa lidar com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo (incluindo várias inteligências artificiais primitivas), mas parte disso é simplesmente DESENHAR COM O PÉ. Os dragões são simplesmente inadmissíveis.
Ainda assim, a genialidade de Robinnet entrou para a história – mas não imediatamente, porque apesar de vender mais de um milhão de cópias logo de cara, em 1980 a Atari não divulgava o nome dos seus programadores. Os criadores dos jogos não podiam assinar suas obras, seus nomes não eram divulgados publicamente e a Atari levava todo o crédito (mais ou menos o que acontece até hoje com a Turma da Mônica aqui nas nossas bandas, mas isso é outra história). Sabendo disso, Warren Robinett teve uma ideia: criou uma sala secreta que só pode ser acessada com uma chave do tamanho de um único pixel, de cor cinza, escondida num fundo cinza. Nessa sala, as únicas palavras a serem encontradas no jogo todo: “Criado por Warren Robinett”. Simples, mas com ESTILO: letras piscantes de bordel que passam por todas as cores do arco-íris.
Sabendo que ninguém na Atari fuçaria o código, essa assinatura escondida deveria passar completamente despercebida por anos, até que alguém encontrasse a sala por puro acaso e pudesse contar para os seus coleguinhas de escola, passando por louco. Mas Robinett não contava com uma coisa: nerds. Levou pouco tempo para um moleque de 15 anos descobrir tudo, avisar as revistas de videogame da época e a própria Atari com uma cartinha. Mas aí era tarde demais, o jogo já estava lançado e o estrago estava feito. Diz a lenda que quando perguntaram para outro programador da Atari se ele poderia tirar o nome de Robinett de lá às pressas, ele respondeu que no máximo mudaria o texto para colocar o nome dele como o autor da alteração. Não era segredo nenhum que os criadores estavam resistindo porque queriam receber crédito por suas obras, o que só foi acontecer pra valer lá pelos anos 90, quando grandes game designers e diretores começaram a ser tratados como estrelas do rock, pelo nome, e os consumidores começaram a procurar jogos de seus autores favoritos.
Mas à parte da questão do crédito, Warren Robinett acabou criando com sua sala secreta estilo bordel toda uma dinâmica de esconder detalhes em jogos para que os jogadores procurassem coletivamente. Segredos passaram a ser caçados em jogos até mesmo quando não existiam, com jogadores trocando informações sobre suas descobertas e até mesmo bugs sendo encontrados e utilizados para visitar partes do jogo que supostamente não deveriam estar lá. Com intenções autorais, aquele pequeno detalhe escondido em “Adventure” acabou parindo uma enorme comunidade que se dedica a destrinchar jogos em busca de pequenos adendos, e uma série de jogos que se concentram em criar segredos e mecânicas não facilmente acessíveis aos jogadores, dos mundos secretos de “Super Mario World” a jogos inteiramente focados nisso, como “Fez” ou “Binding of Isaac”. É como se o jogo se debatesse nas mãos do jogador, se negando a ser inteiramente compreendido e dominado a não ser que até o menor dos pixeis cinzas seja rastreado, o que acaba gerando uma real sensação de AVENTURA que nenhum morcego CUZÃO pode estragar.