Mega Man 3
EIS O MISTÉRIO DA FÉ! Pode um jogo foda pacarai ser também um pixel das galáxias? É o caso de hoje, o primeiro double bill do Pouco Pixel: “Mega Man 3”, o clássico do Nintendinho, tão incrível quanto impossível, tão fascinante quanto enervante. O que faz nós, gamers, amarmos e odiarmos “Mega Man 3” na mesma intensidade? Vamos tentar descobrir.
Quando falou sobre “Silver Surfer“, o Danilo elencou algumas qualidades que diferenciam um jogo desafiador de um jogo simplesmente QUEBRADO. Mas o lance é que “Silver Surfer” é lendário POR QUE é difícil. Se fosse fácil seria lembrado, talvez, pela música piririu e olhe lá. “Mega Man 3” está em outra categoria – a dos jogos que permanecem maravilhosos APESAR da dificuldade insana.
Desafio extremo que faz todo o sentido
“Mega Man 3” faz parte de uma série que tem duas características que a destacam das centenas de jogos de plataforma do mercado: progressão não-linear (o jogador escolhe qual fase deseja encarar); e upgrade contínuo do protagonista (Mega Man adquire os poderes dos inimigos que mata). A combinação dessas duas características cria infinitas possibilidades estratégicas, tornam o jogo muito variado… e imediatamente desafiador. Explico.
Eis o que talvez tenha se passado na cabeça do time da Capcom que projetou o primeiro “Mega Man”: se a sequência de fases é escolhida pelo jogador, então não existe “primeiro estágio” mais fácil e “último estágio” mais difícil. Todas as fases devem ser igualmente complicadas. Não tem tutorial – pudera, é de 1987! – nem uns cinco minutinhos de jogo mole para prender a atenção da rapaziada. Nada disso. Qualquer caminho que o jogador escolher já começa foda pacarai.
Existe uma ciência na seleção de fases? Sim, e é aqui que entra a capacidade do Mega Man de roubar as armas dos inimigos derrotados. Alguns inimigos são mais vulneráveis a certos poderes do que a outros. Shadow Man, por exemplo, é presa fácil para a arma do Top Man; por sua vez, sua arma é boa contra o Spark Man. Então faz sentido fazer a sequência Top Man > Shadow Man > Spark Man. Saber essas coisas leva certo tempo e facilita um pouquinho a vida, mas não tanto. A falta de uma progressão gradual de desafio continua lá, firme e forte, aterrorizando jogadores há 30 anos – e pior que ela faz muito sentido.
Tiros, abismos e crueldade
O primeiro “Mega Man” foi, pelos motivos acima, considerado inovador mas difícil. Não foi um grande sucesso (talvez pela bizonha capa da versão americana), mas vendeu o suficiente para garantir uma sequência. “Mega Man 2” melhorou diversos aspectos do jogo original, teve sua dificuldade (bastante) atenuada, e aí sim foi um estouro. Tornou-se um dos jogos mais vendidos não só do NES mas também de toda a história da Capcom. Foi essa continuação que ensinou o público a amar Mega Man e o exército de robôs-man que ele precisa enfrentar.
A jogabilidade da série “Mega Man” é simples de entender: plataformas e tiros, muitos tiros, tiros por todo o lado. Os principais inimigos do Mega Man não são os robôs que o esperam a cada final de fase, mas duas características de game design bastante cruéis, especialmente se combinadas: 1. abismos; 2. o pequeno salto para trás que o protagonista dá quando toma um tiro.
Isso significa que em uma partida de “Mega Man”, qualquer um deles, seja uma sessão de reflexos, rapidez de raciocínio e principalmente de precisão – um pixel a mais ou a menos em um salto significa morte certa. Ah, sim, vale sempre lembrar: bobear significa começar a fase tudo de novo. É, a vida é cruel, mas “Mega Man” é ainda mais.
A retomada da dificuldade
“Mega Man 3” introduziu dois recursos interessantes – uma deslizada que permite ao Mega Man entrar em passagens estreitas (é quase um carrinho de futebol), e Rush, o cão-robô, que serve como uma mola para Mega Man alcançar plataformas mais altas (pode ser um aviãozinho ou um mini-submarino após algumas fases). Também restituiu a dificuldade amenizada na versão anterior. E como! A revista GamePro chegou a dizer que era mais fácil fazer uma cirurgia cardíaca carregando um carro sobre os ombros do que terminar “Mega Man 3”.
Por que ele é mais difícil? Mais plataformas, mais abismos, mais tiros. E mais fases. Depois de vencer os oito primeiros robôs-man, ao invés de ir direto para a fortaleza do dr. Wily, seu arquirrival, Mega Man ainda precisa passar novamente por quatro fases e enfrentar oito robôs Chico Xavier, que recebem as almas os poderes dos inimigos de “Mega Man 2”.
Depois de despachar dezesseis robôs-man – oito novos e oito psicografados -, Mega Man precisa enfrentar ainda Break Man (que provavelmente é Proto Man, irmão de Mega Man, mais conhecido como o carinha do assobio), entrar na fortaleza do dr. Wily, passar por mais quatro fases, encontrar novamente todos os oito robôs-man iniciais e, finalmente, encarar o malvadão (duas vezes). Deusdocéu, por que tanta fase? NO QUE ELES ESTAVAM PENSANDO?
Qualidade >>> Dificuldade
O fato é que “Mega Man 3” esbanja qualidade do início ao fim. Seja pelos gráficos perfeitos, seja pela música fodástica, seja pela mitologia divertida, é um jogo que esnoba a maioria de seus contemporâneos de Nintendinho. Gostamos de “Mega Man 3” em primeiro lugar porque é muito bom, e em segundo lugar porque a dificuldade extrema nunca parece gratuita – ao contrário, parece orgânica, perfeitamente integrada à ação.
Quiçá fosse um pouco menos longo…