F-Zero

Alguns jogos são criados como meros showcases – feitos para demonstrar as virtudes de um hardware ou de uma tecnologia. A maior parte desses games desaparecem, viram meras curiosidades. Alguns se tornam lendas. É o caso de “F-Zero”, um dos maiores jogos de corrida de todos os tempos, criado para exibir uma técnica específica do Super Nintendo em seu lançamento. Vendeu um milhão de unidades e, hoje, 25 anos depois, tem muito mais que um milhão de amigos – em outras palavras, um verdadeiro PIXEL DAS GALÁXIAS!
“F-Zero” foi projetado pela Nintendo como showcase do Mode 7, uma técnica de simulação de gráficos tridimensionais suportada pelo hardware do SNES, e incluído no launch lineup japonês do console, junto com “Super Mario World”. No lançamento americano, no ano seguinte, outra demonstração do Mode 7 estava no pacote inicial – “Pilotwings”, um simulador de vôo. O Mode 7 era especialmente útil para jogos de corrida, por permitir maior sensação de velocidade, algo essencial para o gênero. Por isso “F-Zero”.
O que era somente uma demo de tecnologia se transformou numa febre. Reportagens de TV mostravam a revolução dos jogos ~TRÊSDÊ~ e a velocidade ~alucinante~ da corrida. “F-Zero” virou, talvez mais que “Super Mario World”, o símbolo do Super Nintendo e da quarta geração de consoles. Gráficos mais definidos e música melhor deixavam de ser, como sempre foram, os chamarizes da nova geração – a tridimensionalidade forçada de “F-Zero” é que impressionava.
Sem dúvida é a evolução gráfica do Mode 7 o eixo de “F-Zero”, mas o que tornou o jogo popular era o gameplay simplesmente impecável. “F-Zero” é um jogo de corrida futurista, com carros flutuantes que atingem mais de 400 km/h em pistas que são um misto de circuitos de F1 com arenas de demolition derby. Há rampas, precipícios, áreas de terreno acidentado (mas os carros não flutuam?), explosivos espalhados pela pista e, principalmente, guard rails elétricos, que danificam os veículos ao invés de protegê-los. “F-Zero” foi o primeiro jogo de corrida que eu vi em que os carros explodiam em verdadeiras NUVENS NUCLEARES após meras batidas e curvas erradas. Isso que é morte horrível.
“F-Zero” pode ser jogado somente por um player, que corre contra pilotos controlados pelo computador. Quatro dos adversários são os personagens especiais, jogáveis: Captain Falcon (o carro azul, o herói do gibi que acompanhava o cartucho, perfeitamente equilibrado), Dr. Stewart (o carro dourado, muito rápido mas frágil e instável), Pico (o carro verde, muito resistente porém lento) e Samurai Goroh (o carro vermelho, de pior aceleração mas extremamente fácil de manobrar). O equilíbrio é notável: a maioria dos jogadores escolhe Captain Falcon ou Samurai Goroh, mas é perfeitamente possível vencer o jogo com os outros carros também. Eu, por exemplo, sempre achei desafiador correr com o Golden Fox, o veículo do Dr. Stewart, construído com papel vegetal e madeira balsa.
Uma das coisas mais interessantes que o Mode 7 deu a “F-Zero” foi a interação com as pistas. São elas, na verdade, os astros do jogo. Nos jogos de corrida anteriores, a visão do circuito era bem limitada e, por isso, os traçados pouco importavam – eram retas e curvas aleatoriamente distribuídas. Em “F-Zero” o traçado faz toda a diferença. Uma curva mal-feita significa perda de posições e ricochetes espetaculares nos guard rails da morte. Volta após volta – cada corrida tem cinco – os dedos vão memorizando as manobras e a pista torna-se uma amiga querida. Nunca nenhum jogo de corrida havia propiciado tanta satisfação com o domínio do circuito.
Existem duas variáveis estratégicas em “F-Zero”. A primeira está nos momentos de recarga de energia. A cada batidinha seu carro perde força, por isso toda volta tem uma área especial para recuperar um pouco desse life. Mas não é tão fácil quanto parece: é preciso dar atenção à pausa para o refresco, ir para o lado do pista, permanecer em linha reta. Torna-se um momento crucial, principalmente nas últimas voltas. O segundo modificador estratégico de “F-Zero” está nos turbos, que se acumulam a cada volta completada. Como de costume, apertar o turbo aumenta instantaneamente a velocidade e permite ultrapassagens difíceis – mas não podemos nos esquecer do guard rail e do EFEITO PINBALL que surge ao bater nele.
“F-Zero” é um jogo difícil, mas nunca desonesto. Existe uma progressão lógica e suave de dificuldade nas quinze pistas disponíveis. As cinco primeiras, da Knight League, são razoavelmente simples de serem batidas. Mas as cinco últimas, da King League, são de arrancar os cabelos. Lembre-se de que “F-Zero” não tem upgrade nem power up: quem melhora ao longo do jogo é você, caro jogador. E acho mesmo que nada pode ser mais maravilhoso: se há algo que somente os PIXELS DAS GALÁXIAS conseguem propiciar, é a sensação de crescimento pessoal.
E isso são modos?
Existem dois modos de se representar uma imagem computadorizada: através de fórmulas matemáticas próximas da geometria analítica, os chamados “vetores”; e através de uma descrição pixel a pixel, os chamados “bitmaps”. Vetores são processados em tempo real, no momento da execução, e bitmaps são produzidos previamente e somente exibidos. Daí que surge o seguinte dilema: vetores ocupam menos memória e são mais fáceis de transformar e animar, mas exigem muito poder de processamento, enquanto bitmaps ocupam muita memória e têm produção bem trabalhosa, mas são extremamente leves e rápidos para o computador. Não sem algumas tentativas, a indústria dos videogames decidiu-se pelos bitmaps.
Um jogo baseado em bitmaps exige um processo de animação manual, quadro a quadro. O programador precisa prever tudo que irá acontecer com os personagens – chamados sprites – e com o pano de fundo, e desenhar bitmaps de todos os estados e transições possíveis. Gráficos assim são muito bonitos, mas imensamente trabalhosos de serem feitos. Não existe a possibilidade de deixar a matemática trabalhar por você e fazer uma figura andar na tela através de cálculos. Animar um sprite é igual produzir “Branca de Neve” em 1937 – pintar 12 desenhos para cada segundo.
O Mode 7 do Super Nintendo era a tentativa de unir a beleza dos bitmaps com a facilidade dos vetores. Graças a essa técnica, os programadores de jogos do SNES poderiam pegar uma imagem e rotacionar, inverter, mudar de posição, ampliar e diminuir etc, programaticamente, em tempo real, sem a necessidade de se desenhar frame por frame. Muito mais fácil! Mais ainda: o uso esperto do Mode 7 possibilitou a criação de jogos com sensação tridimensional, já que colocar um bitmap em uma perspectiva variável tinha se tornado moleza.
Técnicas como o Mode 7, via software ou via hardware, foram bons workarounds por algum tempo, mas os vetores silenciosamente foram evoluindo conforme o hardware ia ficando mais poderoso, e tornaram-se padrão a partir do PlayStation. Sim, os tais “gráficos 3D” aos quais estamos tão acostumados hoje não passam de vetores com textura.
The elevator, evolved
Se você sente falta de um jazz japonês cafoninha para incrementar suas viagens rumo ao 34º andar, SEUS PROBLEMAS ACABARAM!