The Incredible Machine
Por que videogames são tão fascinantes? Uma das teorias diz que eles nos permitem coisas impossíveis. Comer cogumelos e crescer para pular sobre tartarugas e salvar princesas, ser um deus criador de mundos, comandar o exército soviético, ser um ser cósmico que voa numa prancha e morre tocado por patos de borracha – tudo totalmente fora do alcance. Mesmo o mais realista dos jogos de futebol nos é totalmente impossível. Jogar uma pelada, OK, é possível para todos; mas a Copa do Mundo?
Pois imagine um jogo que proponha para o jogador objetivos de natureza completamente diferente:
- Colocar uma bola de basquete em uma caixa;
- Fazer duas bolas de ping-pong caírem no chão ao mesmo tempo;
- Estourar três balões de ar;
- Acender duas lâmpadas.
Tedioso? Veja como parece muito mais divertido agora:
- Colocar uma bola de basquete em uma caixa, usando um camudongo, duas cordas, um ventilador e duas tesouras;
- Fazer duas bolas de ping-pong caírem no chão ao mesmo tempo, com dois foles de ar, quatro camas elásticas e três lupas;
- Estourar três balões de ar, com um pássaro preso na gaiola, um rojão, duas roldanas e um motor elétrico;
- Acender duas lâmpadas, usando um transformador, uma lupa, um canhão de guerra, duas esteiras e duas correntes.
Essa é a premissa de “The Incredible Machine”, jogo da Sierra de 1992: resolver as mais banais tarefas do jeito mais tortuoso possível, com os ingredientes os mais disparatados. É tão simples e tão genial que não só fez muito sucesso como criou um gênero. Se você joga no seu celular games como “Angry Birds” e “Cut the Rope”, faça uma breve saudação a “The Incredible Machine” – é ele o pai espiritual de todos os puzzles de mecânica e lógica espacial que temos hoje.
Não foi “The Incredible Machine” que inventou o conceito básico do mecanismo absurdamente complexo que realiza coisas ridiculamente simples. Parece que essa ideia é muito antiga e surgiu em vários lugares ao mesmo tempo. A versão mais famosa da piada é do humorista americano Rube Goldberg, que publicava no início do século 20 tirinhas como esta:
E, se você for um velho como eu, vai se lembrar muito bem disso aqui:
Ironicamente, “The Incredible Machine” era um jogo de concepção bastante direta: uma série de quebra-cabeças, com objetivos, cenários e equipamentos distintos, um após o outro. A pontuação é mero acessório e reflete essencialmente o tempo que o jogador leva para resolver o problema. A tela básica parece a área de trabalho do Windows: fundo azul esverdeado, alguns objetos estáticos e ícones que podem ser movidos. E o mouse, imprescindível. “The Incredible Machine” era, antes de tudo, um jogo para PC.
A jogabilidade privilegia a tentativa e erro: o jeito mais eficiente de jogar “The Incredible Machine” consiste em testar cada passo por vez. Coloca o equipamento, testa. Deu certo? Posiciona o próximo treco na tela e aciona novamente. E assim por diante. Tentar encaixar todas as traquitanas de uma vez funciona bem apenas nas primeiras fases, que são muito fáceis. Quinze puzzles depois já começa a ficar bem complicado tentar improvisar toda uma engenharia em um só fôlego.
A variedade dos trecos disponíveis para se montar as máquinas incríveis é um dos aspectos mais divertidos do jogo. Cinco tipos de bolas (com pesos e elasticidades diferentes), diversas lâmpadas, velas, canhões, dinamites, rojões e explosivos de toda sorte, ventiladores, aspiradores de pó, transformadores, motores e interruptores, baldes, rampas, alavancas e até mesmo um gato, um macaco-numa-bicicleta e um menininho chamado Mel Schlemming, que não para de correr.
“The Incredible Machine” era um jogo curiosamente social. Lançado numa época pré-internet, o único jeito de conseguir ajuda para resolver os quebra-cabeças era chamando os amigos. Quem nunca jogou em grupo, com dois ou três co-pilotos dando palpites contribuindo com soluções? Além de social, “TIM” era inesgotável: fora os 80 puzzles incluídos no jogo (ou 160, na versão “Even More” lançada no ano seguinte), trazia um modo sandbox, no qual o jogador poderia criar seus próprios desafios, gravar e distribuir por aí – muito provavelmente em coloridíssimos disquetes de 3,5 polegadas.
Nada poderia ser mais anos 90.