Leisure Suit Larry in the Land of the Lounge Lizards
Desde que o mundo é mundo que existem histórias interativas. Ouvir uma fábula é legal, poder alterá-la é mais incrível ainda. Eu me lembro particularmente de uma série de livrinhos que no Brasil se chamavam “Escolha sua aventura“. Historinhas simples em que o leitor era convidado a escolher entre duas ou mais opções de enredo a cada ponto crucial – bastava ir para a página correspondente à ação desejada. Alguns dos livros chegaram a incorporar pontos de experiência, combate e inventário, num estilo próximo de RPG.
O advento do computador doméstico era tudo que os fãs de interactive storytelling queriam. Bastava um bom texto, teclado e imaginação. Os primeiros jogos só tinham isso mesmo – “Colossal Cave Adventure”, de 1977, em nada diferia da linha de comando do sistema:
O casal Roberta e Ken Williams jogou “Colossal Cave” e ficou com uma pulga atrás da orelha: e se o jogo tivesse gráficos? A resposta veio em “Mistery House”, para Apple II, de 1980. Era um pouco melhor:
Foi um sucesso, que gerou um fruto magnífico: “King’s Quest”, para IBM PC, de 1984. Os gráficos eram muito melhores, coloridos, e tudo era animado. Você controlava um personagem que andava no cenário e interagia com pessoas e objetos. Parecia mesmo um videogame, não o prompt de comando. Cabeças explodiram mundo afora e a empresa dos Williams, a Sierra On-Line, se transformou numa maquininha de graphic adventures: infinitas sequências de “King’s Quest”, “Space Quest” e “Police Quest” não paravam de chegar às prateleiras.
Em 1987, Ken Williams teve a ideia de refazer um text adventure da Sierra chamado “Softporn Adventure”, de 1981. O plot era simples: o personagem ia para a cidade de ~Lost Wages~ (entendeu? hein, hein?) perder a virgindade. (Curiosidade: Roberta Williams aparecia nua numa banheira na capa do jogo. Ela é a terceira da direita pra esquerda.)
Ken escalou Al Lowe, um dos funcionários da Sierra, para a tarefa. Em seu “Leisure Suit Larry in the Land of the Lounge Lizards”, Lowe expandiu consideravelmente o enredo e criou o personagem principal: Larry Laffer, o virjão de 38 anos. Nascia uma lenda.
Larry veste seu terno branco e vai para Lost Wages ver se emplaca alguma menina. O jogo começa na frente do bar, um dos cinco cenários da cidade. Apesar de você pode controlar Larry com o direcional, os comandos são todos via texto. Hoje parece estranho, mas pra mim sempre foi especial. Poder escrever “sit”, “buy whiskey”, “stand up” foi causa de fascínio instantâneo quando vi o jogo pela primeira vez, em 1989. Era tipo falar com o computador!
A mecânica dos puzzles é clássica: conversar com pessoas, investigar ambientes, coletar e usar objetos. Larry vai encontrar quatro mulheres em sua jornada, cada uma exigindo coisas diferentes. O jogo é meio cruel – Larry morre algumas vezes, geralmente atropelado, mas é substituído numa hilária linha de montagem de gente. Você tem 7 horas (tempo real) para terminar tudo, mas é possível salvar o seu progresso e continuar depois.
Os diálogos e os textos do “narrador” são engraçados e politicamente incorretos, com referências mais picantes aqui e ali. As mulheres com as quais Larry interage aparecem em close – são até bonitas. E há uma ou duas cenas de sexo, nada explícitas, quase inocentes. Isso foi suficiente para o jogo ser boicotado pelas lojas, que não queriam vendê-lo. Lowe teve de criar um sistema de proteção para menores, que consistia em fazer perguntas “adultas” para o jogador logo após o carregamento. (As questões lidam basicamente com a cultura americana dos anos 1970-80.)
O rebuliço em torno de “Larry” transformou o jogo, que vendeu pouco em seu lançamento, em um sucesso cult tardio. Milhares de cópias começaram a ser pirateadas em todo o o mundo – feito espantoso para um jogo em que a língua inglesa era a ferramenta principal. Na esteira, foram produzidas sequências, que não agradaram, e duas “remasterizações”, que também bateram na trave. Não tem jeito: o que o povo gosta, o que o povo quer, é o “Larry” em sua glória original. Diversão boba mas garantida até hoje, quase 30 anos depois.