The Ultimate Stuntman
“Dê o barbeador, venda as lâminas!”, teria dito King Camp Gillette, o inventor do gilete. A ideia por trás da tática comercial conhecida como razor-and-blades é bem simples: crie um produto que precise de outro; venda um deles abaixo do custo; venda o outro por um preço bem alto e aí faça dinheiro. Ao ver no supermercado um incrível Mach 3 pelo preço de uma paçoca rolha, lembre-se: a Gillette está esperando pacientemente a hora da recarga para te tosquiar.
A estratégia é a mesma para impressoras (a grana está na tinta), telefones celulares (ganha-se nas ligações) e videogames. Nenhum console dá lucro ao ser vendido – na verdade, os mais recentes, como o PS4 e o XOne, têm preços muito abaixo do custo. O dinheiro de Sony e Microsoft vem todo dos jogos e por isso títulos para PlayStation e Xbox são tão mais caros que as versões para PC: o computador foi todo pago quando você o levou pra casa; o videogame, não.
Já era assim na época do Atari 2600, e deu super certo por um tempo porque somente a Atari produzia jogos para o seu console. Mas quando alguns funcionários descontentes fundaram a Activision e começaram a lançar bons títulos para o 2600, a Atari percebeu a vulnerabilidade – se ela não vendesse mais jogos, só consoles, daria prejuízo! Correndinho, processou a Activision. Perdeu e, em pouco tempo, produtoras independentes de games começaram a proliferar, para seu desespero.
A farra das 3rd parties saturou o mercado de jogos. Até a Aveia Quaker e a Ração Purina começaram a produzir games. A maioria dos títulos era de baixíssima qualidade. Em 1983 a indústria entrou em colapso – foi o mítico “Crash dos Videogames”, que derreteu 97% do mercado americano de jogos em poucos meses. O público se voltou para os computadores de 8 bit até a Nintendo desembarcar do Japão, em 1985.
O Famicom – o Nintendinho japonês – já tinha dois anos quando a Nintendo resolveu lançá-lo nos EUA, tamanho o medo de repetir o fiasco da geração anterior. O console foi todo redesenhado para resolver as duas principais causas do “Crash”: a inflação de jogos e a falta de controle sobre as 3rd parties. No Japão não havia regra para a criação de jogos para o Famicom. Já nos EUA a Nintendo estipulou que apenas produtoras licenciadas poderiam lançar títulos para o NES. Não somente: cada produtora só poderia lançar 5 jogos por ano e estava impedida de desenvolver para outros consoles.
Para fazer valer suas regras, a Nintendo enfiou no NES um sistema de verificação chamado 10NES. Apenas cartuchos que tivessem um chip especial, chamado CIC, funcionariam. Como esse chip era fabricado somente pela Nintendo, as 3rd parties não tinham escolha a não ser comprar dela os cartuchos. Além disso, jogos fabricados em outros países – como o Japão – não incluíam o CIC, tornando inviável a importação. Graças ao 10NES, a Nintendo tinha controle absoluto sobre seu ecossistema – e sobre seu lucro, já que o console em si era vendido abaixo do custo.
Como o NES foi um sucesso estrondoso, as produtoras queriam lançar mais jogos e ganhar mais dinheiro. Para escapar da regra dos 5 jogos anuais, começaram a criar subsidiárias. A Konami criou a Ultra; e a Acclaim usava a recém-comprada LJN como selo extra (Flying Edge e Arena eram os nomes usados nos consoles da Sega). Jeitinho brasileiro.
Outras empresas adotaram abordagens mais radicais para fugir das mãos de ferro da Big N. A Atari – que ironia! -, através da subsidiária Tengen, conseguiu fazer a engenharia reversa do 10NES e passou a vender títulos não licenciados com um chip compatível, chamado Rabbit. Tomou um processo. Alguns outros criaram cartuchos sem licença que só funcionavam ao serem plugados em um outro jogo, oficial. A gambiarra mais criativa envolvia criar um chip especial que dava uma sobrecarga elétrica e travava o 10NES, desligando a proteção. A Nintendo tentou impedir o método na Justiça, mas perdeu, tornando o esquema popular.
Inúmeras produtoras de jogos não licenciados para o NES começaram a surgir. A mais famosa foi, sem dúvida, a Camerica. Ela lançou dois dos títulos mais interessantes do console: “Micro Machines” – origem de uma franquia de sucesso – e este “The Ultimate Stuntman”. O mais legal de “The Ultimate Stuntman” é a música putsputs o gameplay variado, que alterna entre corrida, shoot’em up horizontal, plataforma e puzzle (sim, a cada fase vencida há a necessidade de se jogar uma espécie de resta-um disfarçado de desmantelamento de bomba).
O fato de ser um jogo à parte da biblioteca oficial do NES tornou “The Ultimate Stuntman” um título meio obscuro. Merecia ser mais conhecido. Vale, acima de tudo, como um símbolo divertido do prodígio da mente humana – não há barreira que não possamos sobrepujar.