Tetris
Ironia do destino: o jogo mais portátil da história foi criado para um computador montado num rack. Sim, um trambolho que fica aparafusado numa estante e é conectado, a certa distância, a um terminal com teclado e monitor.
O equipamento acima é o Electronika 60M, um minicomputador soviético dos anos 70. Foi para esse treco que um matemático e programador russo chamado Alexey Pajitnov criou “Tetris”, o símbolo máximo do maior console móvel de todos os tempos, o Game Boy. Pajitnov trabalhava na Academia de Ciências da União Soviética, em Moscou, e pesquisava sobre inteligência artificial. Em certo de dia de 1984, ele olhou para para um conjunto de pentaminós (um quebra-cabeça bem comum na Rússia) e achou que seria uma base interessante para um jogo de computador. E começou a programar.
Você já jogou dominó, certo? Cada pecinha de dominó é formada por dois quadrados. Matematicamente só existe uma maneira de se juntar dois quadrados: formando um retângulo. Um pentaminó é igual a um dominó, mas formado por cinco quadrados. Daí as possibilidades de combinação se multiplicam: há 12 formatos diferentes.
No meio do seu projeto, Pajitnov percebeu que lidar com 12 tipos de peças era muito complicado para os parcos recursos computacionais de que tinha à disposição. Então passou a trabalhar com tetraminós, que só têm cinco combinações possíveis:
(Sacou? Duo-minó, tri-minó, tetra-minó, penta-minó…)
O jogo que Pajitnov estava criando era uma versão em movimento do pentaminó vendido nos camelôs moscovitas: alinhe as pecinhas que não param de ser fornecidas pelo computador e forme um retângulo cheio. Logo nos primeiros testes Pajitnov percebeu que o retângulo se preenchia muito rapidamente e que esse não era um objetivo viável. Então teve uma ideia de gênio: ao se completar uma linha cheia de quadrados, ela desaparecia e todas as peças acima desciam um nível, esvaziando progressivamente o retângulo. O objetivo do jogo se inverteu, portanto: ao invés de preencher a área de jogo, o jogador teria de mantê-la a mais vazia possível, pelo maior tempo possível. Incrível!
Ao experimentar sua criação, Pajitnov percebeu que simplesmente não conseguia parar de jogar. E olha que não passavam de colchetes em um terminal de texto:
Deu ao jogo o nome de “Tetris” – combinação de “tetraminó” e “tênis” – e mostrou para alguns colegas. Empolgados, dois deles fizeram um port para PC, ainda baseado em texto, mas colorido. Essa versão começou a se espalhar mundo afora, em cópias piratas. Foi aí que Pajitnov, meio sem saber como fazer para proteger sua criação, cedeu os direitos de “Tetris” para o escritório do governo soviético de exportação de software, a Elorg. Enquanto isso, atravessadores de toda sorte já estavam vendendo por aí, sem nenhum tipo de autorização formal soviética, direitos do jogo.
A confusão era grande e quem se beneficiou disso foi a Nintendo. Henk Rogers, um comprador de licenças profissional, viu “Tetris” em 1988 e se apaixonou pelo jogo – achou que seria o título inicial perfeito para o portátil que a Nintendo estava desenvolvendo, o Game Boy. Falou isso para Minoru Arakawa, o chefão da Big N, que respondeu que o jogo incluído seria “Super Mario Land”. Rogers insistiu, disse que seria melhor um jogo mais universal, e convenceu Arakawa. Quando foi atrás das licenças, viu o CIPOAL que envolvia “Tetris” e resolveu, na louca, ir pra Moscou.
A história é digna de um filme de espionagem. Rogers só tinha visto de turista, não falava russo e simplesmente tinha portas fechadas em todos os lugares. Foi quando ele conheceu uma LINDA AGENTE DA KGB INTÉRPRETE no BALCÃO DO HOTEL, que o levou à Elorg e garantiu um papo com o diretor, que afirmou NÃO ter vendido licença de “Tetris” pra ninguém. Bingo! No dia seguinte, licença assegurada para a Nintendo.
Rogers tinha toda razão: a jogabilidade simples e viciante de “Tetris” combinava perfeitamente com um console portátil como o Game Boy. Porque portáteis, por definição, são o reino do jogo rápido, do matador de tempo ocioso, da fila interminável da galinhada do Atalla, do banco do aeroporto. Se você tem mais de 15 minutos para se dedicar a um game, provavelmente está em casa e pode ir pra frente da TV. O Game Boy se adapta muito melhor à jogatinas breves, repentinas e improvisadas, sem muita consequência – ou seja, “Tetris”.
Foi um sucesso incrível, quase no nível de “Pac-Man“. Graças a “Tetris”, o Game Boy virou um gadget universal, sendo carregado por aí por muito mais que crianças e adolescentes espinhentos. Foi, por certo tempo, algo parecido com os celulares de hoje – em diversos lugares dos EUA era bem difícil NÃO encontrar alguém com um Game Boy na mão. Jogando “Tetris”, muito provavelmente.
Ah, sim. Alexey Pajitnov recebeu os direitos de “Tetris” de volta em 1996. Até então não havia recebido um rublo sequer pelo jogo. Depois disso, emigrou para o ocidente e vive de gerenciar sua criação até hoje – o mundo sempre tem espaço para mais uma versão de “Tetris”.