Top Gear
Brasileiro gosta de comer arroz com feijão, de tomar dois banhos por dia, de fazer tudo na última hora… e de jogar “Top Gear”. O jogo de corrida para o Super Nintendo, de 1992, tornou-se a mais famosa “jabuticaba” dos videogames. Afinal, por que esse game, que passou meio despercebido no mundo todo, ficou tão popular neste Brasilzão-de-meu-deus? Vamos testar algumas hipóteses.
Hipótese 1: o legado do Amiga
“Top Gear” é, na verdade, a versão japonesa de um título do Commodore Amiga: “Lotus Esprit Turbo Challenge”, da produtora inglesa Gremlin Graphics.
O Amiga era o computador de 32 bit sucessor do Commodore 64, a tentativa da Commodore de entrar no mercado do IBM PC e do Macintosh. Na primeira metade dos anos 80, o C-64 foi imensamente popular nos Estados Unidos. Lançado em 1985, o Amiga não conseguiu repetir o feito e foi um enorme fiasco em seu país de origem. Mas se deu muito bem na Europa. A maioria dos jogos europeus dos anos 90 – como o “Lotus Esprit Turbo Challenge” – foram criados originalmente para o Amiga. Ah, sim: a Commodore quebrou em 1994, mas o Amiga passou a ser produzido por diversas outras empresas e existe até hoje.
O Brasil recebeu o Amiga em 1992. Ganhou lá seus seguidores, mas era tarde demais. A reserva de informática já havia deixado de existir e o mercado brasileiro de computadores era muito diferente daquele da época do TK-90 e dos MSX de Gradiente e Sharp. Como nos EUA, os compatíveis IBM PC eram baratos e se tornaram dominantes.
Portanto… não, não foi o Amiga.
Hipótese 2: era um puta jogo
Sejamos francos. “Top Gear” é uma versão bastante diluída do jogo original inglês. A fórmula básica deriva de “Enduro”, do Atari 2600: um carro visto por trás anda em uma estrada infinita e tem que ultrapassar dezenas de adversários. O mais famoso sucessor de “Enduro” foi “Out Run”, o arcade da Sega, que fez um sucesso incrível. Para copiar “Out Run”, a Nintendo lançou “Rad Racer”, da Square, que vendeu muito bem.
Disposta a repetir a fórmula no Super Nintendo, a Big N encomendou à produtora japonesa Kemco um jogo como “Rad Racer”. A Kemco, por sua vez, teve a ideia de adaptar a série “Lotus” da Gremlin Graphics. Foi o que ela fez, não antes sem dar uma japonesadinha básica – os carros conversam entre si, com balõezinhos estilo HQ; e a música, que no original tem uma pegada bem rock’n’roll, ganhou uma roupagem tecno mais suave.
A maior inovação da série “Lotus” é a tela dividida para permitir dois jogadores simultâneos. No original, quando há um só player, a parte de baixo se limita a um desenho de um carro na garagem. Em “Top Gear”, a metade inferior da tela é sempre ocupada, mesmo quando trata-se de uma partida solitária: um carro guiado por computador se transforma no principal rival a ser batido. Não deixa de ser um estímulo bem interessante.
De resto, o jogo é bastante repetitivo. Dedo eternamente no acelerador, poucas idas aos boxes para reabastecimento, curvas relativamente fáceis. Nada de guardar dinheiro e melhorar o carro, como em “Super Off Road“. Os gráficos são mais próximos do NES do que do Super Nintendo – estão longe de “F-Zero”, por exemplo, ou até da versão do Amiga. É um jogo divertido, sem dúvida, mas não é nenhuma obra-prima.
Portanto… não foi a qualidade.
Hipótese 3: foi pirateado pra caramba
Foi. “Top Gear” é de 1992 – primeira leva de jogos do Super Nintendo (dizem até que foi por um tempo o único título de corrida do console). Não exige nenhum processador especial, como “Starfox” e “Yoshi’s Island”, e é um jogo pequeno. Logo se tornou um dos jogos mais comuns nos cartuchos multi-jogos piratas que se espalharam no Brasil nos anos 90.
Cartuchos com cinco, seis e até oito jogos para o Super Nintendo eram incrivelmente populares. A maioria desses combos incluía “Choplifter”, “Goof Troop” e “International Super Star Soccer” (uma variante como “Campeonato Brasileiro” ou pelo menos algum outro futebol).
O mercado brasileiro de videogame cresceu à base de pirataria de jogos. Vale lembrar que o Nintendinho só teve versão oficial no Brasil em 1993 – até então, não somente só existiam consoles “compatíveis” mas também TODOS os jogos vendidos eram piratas. Não por acaso o PlayStation 1, com seus CDs fáceis de copiar, foi o sucesso que foi.
Portanto… você tem alguma dúvida? Claro que foi a pirataria!
Que batida é essa que abala o coração?
A fixação brasileira pelo “Top Gear” inclui sua trilha sonora. Ela é toda baseada na trilha do “Lotus Esprit Turbo Challenge” do Amiga, do inglês Barry Leitch, devidamente pasteurizada pelo japonês Hiroyuki Masuno.
A música da primeira corrida é a mais lembrada pelos fãs brasileiros. A ponto de ter sido transformada em um inesquecível tecnobrega da banda Total Mix, de Fortaleza. Curte aí na ~voz poderosa~ de Lene Silva: