NBA Jam
Acompanhar a série Futebit aqui no Pouco Pixel foi acompanhar um gradual processo dos jogos de futebol rumo à mais fiel possível simulação de realidade – de formas geométricas fixas empurrando uma bola quadrada em “Pelé’s Soccer” para, enfim, a evolução do “FIFA 98” e sua jogabilidade mais real do que o real. De certa forma, esse processo foi compartilhado pela maior parte dos jogos de videogames: conforme a tecnologia avançava e os consoles ficavam mais poderosos, mais próximos da realidade os jogos tentavam chegar. De pixels coloridos que exigiam a imaginação do jogador para saber que aquilo lá era um personagem (ou um dragão), passamos a ter fotos digitalizadas e uma tentativa de simular ao máximo os detalhes do mundo real.
Embora essa seja a tendência até hoje, com os novos super-consoles tentando ver quem alcança o visual mais foto-realista da geração, uma parte da indústria dos videogames sempre dedicou-se a criar uma resistência a esse processo. Trata-se da crença de que jogos não precisam parecer reais, mas sim criar uma jogabilidade interessante – uma afirmação forte que às vezes, para provar seu ponto, acaba caminhando na contramão da tecnologia e da necessidade de avanços constantes de toda a indústria. É dessa resistência que vem “NBA Jam”, o arcade de 1993 que criou novas possibilidades para os pequenos desenvolvedores – e que fez os grandes repensarem suas estratégias.
Em 1989, “Lakers versus Celtics and the NBA Playoffs” virou febre ao trazer uma jogabilidade mais próxima do basquete real do que qualquer jogo até aquele momento, somada ao uso dos nomes verdadeiros de todos os times e jogadores presentes no jogo, incluindo estrelas como Michael Jordan, Larry Bird e Magic Johnson. Videogames de esporte que pareciam apenas levemente com suas versões reais, usando jogadores fictícios e gráficos abstratos ou cartunescos, já não tinham mais vez. Era o começo daquilo que passaria a ser chamado de “simulação” dentro dos jogos de esporte: a tentativa de simular as práticas esportivas reais com o máximo de fidelidade, tanto na jogabilidade quanto nos atletas e times presentes.
Indo completamente na contramão, a Midway lançava no mesmo ano “Arch Rivals” para arcades, um jogo de basquete com ares de uma comédia ruim do Adam Sandler: gráficos caricatos e coloridos, personagens fajutos com habilidades exageradas, e a possibilidade de encher seus adversários de porrada para tentar roubar a bola. O jogo é ruim, a jogabilidade é truncada, mas o fato de que ele não se leva a sério nem por um segundo transforma até os maiores defeitos em uma risada fácil. Minha paixão infantil por “Lakers versus Celtics” constantemente me levava a babar de raiva no meu teclado quando eu era incapaz de vencer uma simples partida; quando eu jogava “Arch Rivals”, ao contrário, não conseguia tirar o riso da cara mesmo sabendo que aquilo era um jogo completamente merda.
A Midway percebeu que sua abordagem tinha certo charme e em 1993, quando jogos fora do modelo de simulação já estavam ficando impensáveis no gênero de esportes, lançou “NBA Jam” – uma continuação espiritual de “Arch Rivals”, mas dessa vez com os times e jogadores oficiais da NBA. A escolha foi muitíssimo arriscada: quando tenho um jogo com a marca da NBA e suas principais estrelas presentes, imagino imediatamente um jogo realista que tentará simular os grandes embates daquela temporada, mas “NBA Jam” é exatamente o contrário disso: confrontos de duplas pensados por alguém numa viagem de ácido. Os nomes e os rostos reais dos jogadores não impedem que os personagens jogáveis tenham gráficos caricatos, corpos minúsculos em cabeças gigantes, voem dezenas de metros acima das cestas, se encham de porrada para roubar a bola, peguem fogo quando estão num bom momento da partida e distribuam enterradas acrobáticas que jogam privada abaixo cada uma das leis da física. Para um jogo tão distante da simulação, tão assumidamente fictício, parecia o bastante inventar meia dúzia de personagens genéricos. Ter os direitos aos astros da liga de basquete americana e MESMO ASSIM escolher que eles voassem por aí pegando fogo como um certo foguete da NASA deixava escancarada a escolha de design: fugir da simulação não é necessariamente uma limitação de tecnologia ou talento – pode ser uma decisão consciente em busca do melhor JOGO, da diversão e da acessibilidade.
O sucesso foi instantâneo: em um ano “NBA Jam” já era o arcade mais vendido de todos os tempos e começou sua invasão dos consoles caseiros, ganhando versões pra tudo quanto é videogame da época – algumas bastante aceitáveis, outras completamente medonhas (Game Boy, estou olhando pra você). Anedota divertida sobre as versões para consoles: lançadas por vezes até 3 anos depois do original de arcade (pra ver como essa galinha dos ovos de ouro rendeu), os atletas foram sendo mudados para refletir as alterações de elenco frequentes na NBA – incluindo a morte do fantástico Drazen Petrovic, num acidente de carro. O problema é que as versões para consoles eram em geral tão cocô, programadas com o nariz, que os nomes dos jogadores retirados continuavam sendo pronunciados pelo narrador volta e meia durante os jogos, às vezes em momentos completamente sem sentido. Pode parecer um erro engraçado e desimportante até você imaginar o jogo GRITANDO na cara de uma criança o nome de um jogador MORTO num momento completamente aleatório da partida. M-a-c-a-b-r-o.
O incrível sobre “NBA Jam” é que ele pode ser jogado por qualquer um – até mesmo por quem não conhece ou não se importa com basquete. O fato de que ele é sobre basquete, aliás, é completamente secundário – se o jogo fosse sobre acertar um filhote de pássaro em um ninho muito alto (enquanto se coloca fogo nele?) daria exatamente na mesma, porque a jogabilidade divertida era o que verdadeiramente brilhava ali. Jogadores reais com seus rostos digitalizados eram apenas um tempero, uma piadinha, uma piscadela para os fãs de NBA do planeta. Mas era possível jogar com vários outros personagens secretos – de lutadores de “Mortal Kombat” a presidentes dos Estados Unidos – e a diversão era sempre a mesma. Aqui no Brasil, em que o público em geral acha que basquete é uma cobrança de lateral no futebol, cansei de ver as máquinas de “NBA Jam” dos pliferamas lotadas de uma molecada perdidaça, mas que achava sensacional ver homenzinhos voadores com uma bola que pegava fogo. Sem conhecer os jogadores, as regras, sem ter que aprender as sequências de oitocentos botões dos “NBA 2K” da vida, “NBA Jam” era uma dose de alegria psicotrópica instantânea e bem-humorada acessível a velhotes e crianças – e que mesmo assim não afastava os fãs mais tradicionais de basquete, como eu, desde que fossem capazes de dar uma risadinha.
O arcade bilionário ensinou uma lição que mexeu com a indústria dos videogames. Ver o dinheiro entrando fez com que grandes empresas colocassem um pouco o pé no freio do avanço tecnológico irrestrito e dos gráficos foto-realistas, tentando criar experiências mais acessíveis, facilitadas, divertidas e despretensiosas – o que acabou indo parar nesses jogos de hoje em dia que não te deixam dar dois passos sem um TUTORIAL safado, ou que são imbecilizados ao ponto de que você pode dormir com a cara no controle e mesmo assim acordar tendo matado o chefão final. Por outro lado, abriu-se essa incrível possibilidade de criar jogos que fujam da simulação e do realismo por ESCOLHA, que tornem isso parte de seu motivo de existir, e não apenas um sintoma da falta de dinheiro – o que acabou gerando a maior parte dos jogos “indie” atuais, que fazem das limitações seu charme e identidade; coisas como “Braid” ou “Super Meat Boy”, por exemplo.
De todo modo, esse jogo em que se enterra uma bola de fogo aos gritos randômicos de “boomshakalaka” do narrador com voz de androide gripado abriu novos caminhos dentro dos videogames, mostrando que a jogabilidade é sempre superior a quaisquer dessas bobagens de polígonos e texturas e frames por segundo que tanto querem que a gente engula. Prova? Assista a “NBA Jam” e veja seus músculos da face rebelarem-se: é impossível deixar de sorrir e depois sair por aí gritando “boomshakalaka” para velhinhas na rua. Eu recomendo.