King of Boxer
Eu fui uma criança meio antissocial e sedentária, e uma das coisas que eu só fazia obrigado era ir ao clube. Meus pais gostavam – lá eles podiam tomar sol e descansar. Mas eu detestava, porque nada pode ser mais aborrecido para uma criança do que tomar sol e descansar. Geralmente eu levava revistas, mais papel e lápis, e ficava esperando o tempo passar. Até o dia em que o clube inaugurou uma salinha com três ou quatro fliperamas e meu conceito do passeio mudou completamente 😉
Isso foi em 1989, 1990. O clube conseguiu umas máquinas meio velhas até mesmo para uma criança brasileira dos anos 80 – nada dos “Double Dragon” e “Tartarugas Ninjas” comuns nos shoppings. Na verdade, o único jogo que me atraiu era um de boxe que eu já tinha visto em algum Playland: “King of Boxer”, um título japonês de 1985. A ficha era barata e comecei a dominar a bagaça. Não consegui zerar o jogo, mas conquistei o maior feito de minha vida gamer: bati o recorde da máquina e pude colocar minhas iniciais – ASB – no topo dos high scores. Toda semana ia lá só para ver se o ASB continuava em primeiro lugar. E assim se manteve por uns dois meses, até o dia em que a sala de fliperama foi extinta e o clube voltou a ser o troço chato de sempre.
A coisa que eu mais gostava em “King of Boxer” (conhecido nos EUA como “Ring King”) era a movimentação pseudo-3D. Não era a luta lateral típica de videogame (estou aqui pensando em “Yie Ar Kung-Fu” e “Karate Champ”, mas se notarmos bem, até os beat’em up só permitiam golpes na horizontal). Em “King of Boxer”, eu podia bater no adversário de cima pra baixo, ou de baixo pra cima. E como era gostoso acertar porrada virtual nesse jogo! A reação do adversário e o efeito sonoro do soco causavam uma satisfação quase tátil.
Reparou no screenshot acima? “King of Boxer” era jogado numa tela vertical! Uma das graças de arcade era justamente essa liberdade com o hardware – o equipamento se ajustava ao jogo e não o contrário.
Além disso, “King of Boxer” chamava a atenção pelo ar caricatural dos personagens e das manobras. Se você estivesse em uma posição boa e no timing certo, um soco seu poderia fazer o adversário voar, ou rodopiar, ou ser atirado violentamente contra as cordas. Eram verdadeiros momentos de lucha libre – e acho mesmo que boxe realista não tem graça nenhuma em videogame.
O jogo tentava equilibrar isso com alguma tática. Não adiantava nada partir logo pra briga e ficar esmurrando os botões – gastando energia, com a guarda aberta, você se tornava alvo fácil. No clube aprendi que era melhor fugir do adversário a maior parte do round e só começar a atacar por volta dos 40 segundos. Por algum motivo isso fazia meus golpes encaixarem melhor e geralmente rolava um nocaute rápido. Claro que não era sempre tão fácil. Conforme sua evolução no ranking os adversários ficavam mais complicados e podiam levar rounds e rounds para serem derrotados.
“King of Boxer” fez certo sucesso e foi portado para várias plataformas, incluindo o Nintendo. E uma cena da versão NES causou controvérsia: por que raios o boxeador recebe um BOQUETE entre os rounds?
Mentes poluídas. Na verdade, o boxeador só estava tendo SEU SACO VIGOROSAMENTE PUXADO, como os gráficos mais elaborados da versão arcade não deixam mentir.
Agora entendo porque o meu clube desativou a sala de fliperama…