Double Dragon
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Na semana passada começamos a série “Te pego lá fora“, com os beat’em ups que MOLDARAM CARÁTERES e paparam muitas fichas. Começamos com o seminal “Renegade“, na verdade a adaptação de um jogo japonês sobre bullying escolar, estrelado por Kunio, que acabou virando protagonista de outros jogos de pancadaria e até de esportes. “Renegade” não teve continuações oficiais, mas gerou um filho muito mais importante que ele…
TONIGHT
… “Double Dragon”, arcade de 1987, o maior beat’em up de todos os tempos! Sua origem é a frustração. Os game designers da Technos (não da Technos) estavam meio aborrecidos com o penoso processo que transformou “Nekketsu Kouha Kunio-kun” em “Renegade” e decidiram bolar um arcade de luta que fosse americanizado desde o começo. Kunio, os colégios e o estilo cartunesco dos jogos do NES foram deixados de lado. No lugar, criaram dois irmãos com um sobrenome propositalmente dúbio, que pode ser tanto ocidental quanto oriental: Lee.
Natural que um jogo com dois protagonistas tenha sido pensado especificamente para dois jogadores. Arcades com dois players são a coisa mais antiga do mundo, mas “Double Dragon” inovou ao colocar os jogadores não como competidores, mas como colaboradores. Afinal, Billy e Jimmy Lee lutavam juntos contra a gangue dos Black Warriors (não dos Warriors), sequestradores de Marian – a namorada, er, dos dois.
O modo cooperativo de dois jogadores foi uma baita de uma novidade. Eu tinha uns 9, 10 anos quando vi pela primeira vez “Double Dragon”, num fliperama bem sujinho no Conjunto Nacional de Brasília. Era um jogo bem recente e na frente da máquina havia duas filas, uma para Billy e outra para Jimmy. Achei incrível a possibilidade de formar uma dupla instantânea com um desconhecido e, ao invés de medir forças contra ele, esmurrar em conjunto uns marginais. Foi quando percebi que eu era tão vulnerável aos golpes do meu colega quanto os inimigos. O FOGO AMIGO muy amigo me custou uma ficha e vários minutos de fila.
Nas minhas tentativas seguintes aprendi duas coisas: a manter distância de meu irmão e a utilizar os cotovelos. O controle espacializado de “Renegade” foi substituído em “Double Dragon” por ações mais convencionais: um botão para chute, outro para soco, sempre na direção frontal do personagem. Para eventuais inimigos que chegam por trás o golpe agora é uma cotovelada, capaz de derrubar instantaneamente um brutamontes. Era o movimento predileto do pessoal do fliper, que basicamente passava o jogo inteiro de costas pros inimigos.
Ao contrário de “Renegade”, os cenários de “Double Dragon” são bem grandes e contínuos – as fases se sucedem com pouca ou nenhuma interrupção. O jogo passa uma sensação muito interessante de odisseia, de jornada. É emocionante se sentir caminhando pelas diversas partes da cidade, espancando capangas numa transição suave e constante entre cenários, sempre rumo ao objetivo – a fortaleza dos Black Warriors. E daí a falta de familiaridade dos japoneses da Technos com os cenários ocidentais criou uma bizarrice: a gangue inimiga não se esconde numa fábrica abandonada ou em algum galpão escuro, mas numa espécie de templo egípcio repleto de armadilhas. A última fase de “Double Dragon” é mais ou menos como o fruto de uma louca noite de amor entre “Os selvagens da noite” e “O enigma da pirâmide“.
No final, os irmãos enfrentam o vilãozão com o nome mais banal da história: Willy. E ele é meio assustador, maior e armado – sua metralhadora é a única arma de fogo de “Double Dragon”. Willy é vencível, se você tiver fichas o bastante. Marian é resgatada e… olha o duplo twist carpado: o jogo não termina! Por algum motivo acharam que todo jogo deve ter um único vencedor, mesmo um game co-op por conceito, e por isso inventaram que os irmãos devem se enfrentar para decidir quem fica com a mocinha. Ela não era namorada dos dois, poxa vida? Se organizar direitinho todo mundo transa Esse amor livre demais deve ter incomodado os japoneses, que resolveram que o final deveria ser assim, tradicional:
Fascinante nas misturas absurdas tão típicas da conexão EUA-Japão, mas principalmente no gameplay, muito mais refinado que o de “Renegade”, “Double Dragon” já nasceu clássico. Fez um sucesso estrondoso e imediato. Ganhou duas continuações nos arcades, versões para todos os dispositivos providos de microchip existentes (até pro Atari 2600), um filme bem horroroso, uma revista de quadrinhos da Marvel e um desenho animado meia-boca. Mais importante: consolidou o beat’em up e fez nascer um monte de imitações. PIXEL DAS GALÁXIAS? Ô se é!